No Jalapão, novo projeto de parceria para gestão do turismo em parque poderá se desenvolver com envolvimento e escuta às comunidades tradicionais

Os parques e unidades de conservação do Brasil podem contribuir para o desenvolvimento das comunidades tradicionais.

10/01/2024

Na região Leste do estado do Tocantins, no limite com a Bahia, o Maranhão e o Piauí, está a região do Jalapão. Com mais de 34 mil km² de extensão em uma área de transição entre o cerrado e a caatinga, a região é famosa por suas dunas, rios, cachoeiras e águas cristalinas, que atraem praticantes de ecoturismo e turismo de aventura de todo o mundo. Em 2023, a gestão do Jalapão começou a passar por um importante processo de mudança – diferentemente do que aconteceu no passado, caso haja um novo projeto de parceria, a participação ativa da comunidade, o respeito à sua história e a escuta por suas demandas deverão possuir papel de destaque.

Novo projeto de parceria para gestão do turismo no Parque Estadual do Jalapão (TO) poderá se desenvolver com envolvimento e escuta às comunidades tradicionais | Foto: Loise Maria/Governo do Tocantins

O Parque Estadual do Jalapão foi criado em 2001, em um processo que causa desconforto à população local até os dias de hoje – em especial às comunidades tradicionais. Estudos apontam que os primeiros quilombos se formaram no Jalapão há cerca de 200 anos, com pessoas vindas provavelmente da Bahia, descendentes de africanos. A história no local, entretanto, não foi considerada no momento da criação do parque, de acordo com algumas pessoas que vivem na região.

“As Unidades de Conservação do Jalapão chegaram de fora para dentro, sem dialogar com as comunidades que já estavam nos espaços. Me deparei com o Parque já na minha adolescência e fui lutando com os meus para que o Estado entendesse que não queríamos indenização. Queríamos só permanecer”, lembra Ana Mumbuca, uma das lideranças comunitárias do Quilombo Mumbuca, da cidade de Mateiros (TO), e diretora da Secretaria dos Povos Originários e Tradicionais no Estado do Tocantins.

“É importante lembrar que a existência do parque como Unidade de Conservação só se tornou efetiva e viável porque os povos que estavam vivendo lá preservaram o espaço por décadas e décadas”, relembra Ana, que também é escritora, poeta, mestre em Desenvolvimento Sustentável pela UnB (Universidade de Brasília) e sexta geração da família nascida no Jalapão, no quilombo que carrega como sobrenome.

Ana Mumbuca, liderança comunitária do Quilombo Mumbuca e diretora da Secretaria dos Povos Originários e Tradicionais no Estado do Tocantins | Foto: Loise Maria/Governo do Tocantins

Aprendizado e mudanças

Em dezembro de 2023, foi encerrado o primeiro ciclo de diálogos entre gestão pública e lideranças de comunidades tradicionais a respeito do novo projeto de parceria para gestão do parque. As reuniões foram realizadas nos municípios de São Felix, Mateiros e Ponte Alta e em seis territórios tradicionais, abarcando todas as comunidades quilombolas relacionadas ao Parque Estadual do Jalapão. Representantes do Ministério Público Federal (MPF/TO), da Defensoria Pública Estadual (DPE/TO, do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e do Instituto Semeia, entre outras organizações, acompanharam os diálogos realizados ao longo do ano.

Os diálogos aconteceram em decorrência de reunião realizada em agosto no Palácio Araguaia, sede do Governo do Tocantins, onde representantes da gestão pública e lideranças quilombolas discutiram possibilidades para a melhoria da gestão dos três atrativos do Jalapão, hoje operados integralmente pelo do Instituto Natureza do Tocantins (Naturatins) – Serra do Espírito Santo, Dunas e Fazenda Triago, onde está localizada a Cachoeira da Velha.

Ainda em 2020, uma primeira tentativa de parceria público-privada para apoiar a gestão da visitação a esses locais havia sido cogitada. Durante o processo, porém, as comunidades locais não se sentiram ouvidas e avaliaram que não havia a integração necessária para que a parceria funcionasse. Após intensa mobilização popular, o programa foi cancelado.

A partir dessas experiências e trocas, representantes do poder público e lideranças comunitárias estabeleceram que, antes de se ter um projeto concreto para uma eventual nova parceria para apoio à gestão do parque do Jalapão, as comunidades que vivem no local deveriam participar ativamente das discussões para construção do projeto, em constante diálogo. Desde então, vêm sendo debatidas alternativas social e economicamente sustentáveis para a gestão do parque.

Integrantes das comunidades que vivem no local discutem alternativas sustentáveis para a gestão do parque | Foto: Loise Maria/Governo do Tocantins

“É possível se fazer desenvolvimento sustentável na região. Mas é preciso entender que o parque é a casa dessas pessoas. Há anos elas vivem isoladas, até hoje não têm asfalto para se chegar à capital. Para que os parques sejam motivo de orgulho para as pessoas é preciso virar a chave, as comunidades já sofreram demais. Elas precisam estar à vontade, entendendo que não é uma invasão à casa delas, mas uma construção conjunta”, explica Maria Antônia Valadares de Souza, doutora em Ciências do Ambiente e pesquisadora ativa na região que tem auxiliado o Instituto Semeia na construção dos diálogos com as comunidades.

“A diferença entre os dois momentos de parceria é a abertura do diálogo. O primeiro processo foi bastante conflitante. Hoje vejo a comunidade aberta à construção conjunta, pois está reduzindo os medos e anseios da comunidade. É uma chance excelente para promover uma reparação histórica para as comunidades, fortalecendo o benefício financeiro para as pessoas”, comenta Maria Antônia. “Reparação histórica é a comunidade virar sócia deste processo”, diagnostica ela.

Parques e comunidades tradicionais: construção coletiva e promoção da escuta

Foi com essa abertura para o diálogo que, no segundo semestre de 2023, a fase de pré-projeto de parceria foi retomada. Uma de metas é conversar ativamente com as comunidades tradicionais utilizando como base os caminhos propostos no material Diálogos com a Sociedade, lançado em novembro.

Na primeira etapa, as conversas e a escuta ativa foram colocadas em prática com visitas às comunidades, reuniões, esclarecimentos e tirando dúvidas das pessoas.

“O envolvimento das comunidades no desenvolvimento dos projetos é fundamental. Primordialmente porque as comunidades locais desempenham um papel essencial na conservação ambiental. Envolvê-las no projeto permite promover práticas sustentáveis e garantir a preservação do ecossistema, além dos laços profundos que as comunidades possuem com as áreas e seus conhecimentos tradicionais”, explica Thomas Jefferson, secretário da Secretaria de Parcerias e Investimentos do Tocantins (SPI-TO). 

NESTE TEXTO FALAMOS MAIS SOBRE A IMPORTÂNCIA DA RELAÇÃO ENTRE GESTÃO E COMUNIDADES LOCAIS

Nesta etapa pré-projeto, foram 5 dias e 9 rodadas de conversas com as comunidades tradicionais e nos municípios relacionados ao parque | Foto: Loise Maria/Governo do Tocantins

A parceria com a iniciativa privada para gestão do Parque Estadual do Jalapão não é, necessariamente, algo visto de maneira negativa pelas comunidades quilombolas da região. De acordo com Ana, tanto a existência da Unidade de Conservação quanto a possibilidade de parceria “é uma ideia fantástica.” A grande diferença visível neste momento é a forma de se fazer: ouvindo, de fato, as comunidades tradicionais que habitam há séculos o Jalapão.

A possibilidade que tem ocorrido no processo, das pessoas que moram no local serem ouvidas, tem feito a diferença. Mais do que serem ouvidas: que os pontos de vista e as ideias vindas das comunidades tradicionais sejam, de fato, levadas em consideração no novo momento do Parque.

“O Jalapão para nós não é destino turístico, é a nossa morada. Isso tem que ser levado em conta”, explica Ana. “A comunidade precisa ter o poder de dizer que tipo de desenvolvimento nós queremos para a região do Jalapão. Esse desenvolvimento que se está estabelecendo contempla a nossa forma cosmológica de existência? As comunidades estão muito conscientes do que elas querem, nesse sentido de continuar a relação com a natureza, ganhando monetariamente, mas acima de tudo conservando o espaço”, complementa.

Os passos seguintes serão de avaliação e compreensão dos resultados desta primeira etapa de diálogos com as comunidades. “Os envolvidos tiveram voz ativa nos debates, o que possibilita a construção de um produto com a participação de todos. Os próximos passos só serão traçados após uma análise rigorosa, pela equipe do Governo, de todos os dados levantados nessa primeira etapa”, afirma Dalmir da Silva Jorge, Diretor de Biodiversidade e Áreas Protegidas do Naturatins.

Representantes da gestão pública e lideranças comunitárias discutiram possibilidades para a melhoria da gestão no Jalapão | Foto: Loise Maria/Governo do Tocantins

Diálogos com a sociedade

Com o exemplo do que acontece no Parque Estadual do Jalapão, os diálogos são a base para a construção de políticas públicas verdadeiramente sustentáveis para o meio ambiente e para as pessoas.

“As comunidades precisam participar e estar atentas a esses debates, são debates necessários. Precisa-se fazer os ajustes para que a natureza seja fortalecida e mais pessoas contemplem os espaços, mas é preciso pensar em governança: o que as comunidades ganharão? Não só no sentido econômico, mas existencial e social, no sentido de fazer parte desse espaço”, lembra Ana Mumbuca.

A publicação Diálogos com a sociedade nasce da oportunidade de auxiliar gestores e gestoras a fortalecerem a participação social em projetos de parcerias com parques. Se esse processo acontece de maneira efetiva, os resultados tendem a ser melhores.

“Os projetos que contam com mais participação e interações, desde o momento inicial em que se começa a imaginar uma parceria, passando pela etapa de estruturação até a gestão contratual, são aprimorados e refletem melhor a realidade. Com isso, ganhamos todos: ganha a sociedade, o meio ambiente e o próprio poder público”, afirma Rodrigo Góes, gerente de projetos do Instituto Semeia.

Rodrigo Góes, gerente do projetos do Instituto Semeia, apresenta às comunidades cartilha com perguntas e respostas sobre parcerias em parques | Foto: Loise Maria/Governo do Tocantins

Durante as rodadas de conversas no Jalapão, a cartilha Parques naturais e parcerias: perguntas e respostas para a sociedade também foi utilizada como suporte para esclarecer dúvidas das pessoas com relação ao parque e ao projeto de concessão.

“É fundamental que o diálogo com as comunidades seja um processo que vá além das consultas e audiências públicas previstas na legislação. É preciso dialogar com transparência e, principalmente, é preciso ouvir e compreender as demandas, receios e sugestões da população com a humildade de quem não tem todas as respostas”, finaliza Rodrigo.   

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