Desenvolvimento sustentável e mudanças climáticas: qual o papel do ecoturismo neste contexto?
O Conexão Semeia conversou com Jaqueline Gil, especialista no tema, para encontrar caminhos para que o turismo e a visitação aos parques sejam atores principais nesta conjuntura
27/11/2025
Quando pensamos em ecoturismo e na visitação a parques naturais, é quase automático que o senso comum imagine se tratarem de atividades verdes, ecologicamente corretas. Em tempos de COP 30 e discussões sobre desenvolvimento sustentável e mudanças climáticas, a pergunta que fica é: será que estas operações estão realmente conectadas com a sustentabilidade?
Para auxiliar a encontrar respostas e caminhos a serem seguidos, o Conexão Semeia conversou com Jaqueline Gil, pesquisadora do Laboratório de Estudos em Turismo e Sustentabilidade (LETS/Universidade de Brasília) e uma das maiores especialistas no tema.
Jaqueline é muito direta ao responder à pergunta do primeiro parágrafo: “Quando falamos em turismo, nós não fizemos nada até agora. Somos grandes emissores de carbono, somos atrasados, só atrapalhamos até agora nessa agenda do clima. Vamos continuar atrapalhando ou vamos continuar querendo existir com responsabilidade?”.
A provocação é mais do que válida. Durante a conversa, ela deixou claro que existem diversas ações individuais pelo Brasil focadas em turismo regenerativo, que consideram ação turística, desenvolvimento sustentável e mudanças climáticas. Mas é preciso ir além.
Neste texto, primeiro falaremos do contexto geral do turismo – em que o ecoturismo e a visitação a parques estão inseridos. Na sequência, entraremos com mais detalhes sobre o papel do turismo de natureza neste cenário.
Combustível fóssil, resíduos e plástico: os três principais poluidores do turismo
Turismo é uma atividade que depende de transporte para existir. Afinal, a essência de “turistar” é se deslocar de um ponto a outro – é quase impossível imaginar uma ação turística sem o transporte.
É aqui que entramos no primeiro passo fundamental: as emissões de gases de efeito estufa são parte intrínseca do modelo de turismo existente hoje no planeta. De acordo com dados de 2019, 8,8% das emissões totais de gases vêm de atividades turísticas. Neste texto da Abeta (Associação Brasileira das Empresas de Ecoturismo e Turismo de Aventura) é possível entender melhor esses dados.
Além das emissões de carbono advindas de transportes com combustíveis fósseis (utilizado na imensa maioria dos veículos automotores), outros dois pontos são responsáveis por estes dados altíssimos das emissões no turismo: os resíduos e o consumo excessivo de plásticos.
Como encaixar o contexto desenvolvimento sustentável e mudanças climáticas na agenda do turismo global?
“É preciso colocar estes três temas no centro da discussão e, mais do que isso, no centro das decisões. Ao invés da gente ficar dispersando atenção e investimentos, qual é o principal gargalo do setor hoje? O fato de ele ser um vilão dele mesmo: a poluição emitida pelo turismo é tão robusta, é tão intensa, que ela tá matando o próprio setor”, explica Jaqueline.

“O que nós precisamos, do ponto de vista do modelo global padronizado de turismo, é trabalhar nesses três pontos. Existem outras fontes emissoras, mas não precisamos atacar todas elas: vamos começar com as três principais, nos 20 principais países que emitem. Não precisa ir muito longe pra gente conseguir fazer uma transformação radical nestes números, gerando impacto positivo”, complementa.
Quando pensamos em resolver problemas complexos, muitas vezes o mais difícil é encontrar as soluções. Neste caso, as soluções, embora ainda não comercialmente tão acessíveis, já existem. Podemos listar algumas delas em cada um dos três pontos principais de emissões de gases no turismo:
- Combustíveis fósseis: existem soluções com combustíveis sustentáveis, como veículos elétricos e biocombustíveis. Inclusive com os combustíveis sustentáveis de aviação.
- Resíduos: desde o desperdício de alimentos durante a viagem até as embalagens dos brindes em hotéis e pousadas, existem soluções para o tratamento adequado.
- Plásticos: as soluções do item acima passam muito pelo plástico, um dos itens mais poluidores de toda a cadeia turística. Existem substitutos, mas que não são tão práticos e nem tão baratos.
“É claro que existe uma série de regulamentações a serem feitas e caminhos para seguir. Não é de um dia para o outro que todos os motores se tornarão elétricos, nem que o plástico deixará de ser usado. Mas quando a gente coloca isso no centro das decisões e dos investimentos, a transformação acontece mais rápido”, afirma Jaqueline.
Turismo regenerativo, desenvolvimento sustentável e mudanças climáticas
Tudo o que falamos não está ligado apenas ao ecoturismo e à visitação a parques, mas ao contexto amplo do turismo. Fica claro, porém, o quanto a relação entre seres humanos e a natureza tem papel fundamental neste quadro emergencial do aquecimento global, impactado fortemente pela emissão dos gases de efeito estufa.
Desmatamento e queima de combustíveis fósseis são dois dos fatores que afetam este problema – as temperaturas têm subido quase à zona de perigo irreversível para a vida humana. E o conceito de sequestro de carbono tem sido cada vez mais difundido como uma ferramenta riquíssima para combater a crise climática.
Aqui, os parques naturais brasileiros são protagonistas.
“Os parques são, por si só, sequestradores de carbono, reserva da biodiversidade. E a interação das pessoas com estes ambientes precisa ser fomentada cada vez mais”, comenta Jaqueline.
O conceito de sequestrar carbono tem tudo a ver com desenvolvimento sustentável e mudanças climáticas: ele ameniza os impactos dos gases, já que as florestas realizam naturalmente este processo de “limpeza” da atmosfera com a fotossíntese. Leia aqui para entender melhor sobre o sequestro de carbono.
Se o ambiente natural, composto de flora e fauna, é fundamental para mitigar a crise climática, os parques naturais brasileiros fazem parte deste processo, não só no sequestro, mas na conservação de reservatórios de carbono.
É importante ressaltar que o Brasil se comprometeu, no Acordo de Paris de 2024, a reduzir entre 59% e 67% as emissões de carbono até 2035. Para isso, o turismo – e nossos parques – têm papel essencial.
“A gente precisa fazer estes espaços que sequestram o carbono da atmosfera se ampliarem, que as pessoas entendam a importância deles para a existência humana”, explica Jaqueline.
O movimento precisa começar, de fato, indo além de atuações individuais realizadas por empreendimentos espalhados pelo Brasil. O turismo regenerativo é possível, especialmente quando falamos do turismo em ambiente natural.
“Turismo regenerativo é o que tem carbono positivo. É começar com ações a favor de um setor carbono neutro até 2050, e depois a gente faz um carbono positivo”, comenta Jaqueline.
“Sou otimista. Quando a gente quer, a gente consegue. As ferramentas estão aí, precisamos usá-las”, finaliza.