“Se estivermos abertos a escutar a natureza, sempre sairemos com algo positivo”

Ao completar um ano viajando pelos parques nacionais brasileiros, Letícia e Dennis falam sobre descobertas, aprendizados e expectativas do projeto Entre Parques BR

03/06/2022

Letícia e Dennis no Parque Nacional da Tijuca (RJ) durante o primeiro ano de expedição. Foto: Arquivo pessoal

Já pensou em sair de casa a bordo de uma caminhonete e um trailer para visitar os 74 parques nacionais do país? Esse é o objetivo dos paulistanos Letícia Alves e Dennis Hyde com a expedição Entre Parques BR. O casal iniciou essa jornada há um ano, no Dia Mundial do Meio Ambiente de 2021. Desde então, já são 25 UCs percorridas e muitas histórias vivenciadas em meio à natureza.

Para celebrar o primeiro ano de viagem, eles lançaram um guia prático sobre cada área visitada. “Absolutamente todos os parques tiveram algo a nos ensinar e esse guia pode servir como uma faísca para quem já marcou uma viagem e ainda não tem ideia do que fazer nas unidades de conservação”, conta Dennis. 

O casal vivencia o sonho de conhecer mais a fundo os parques nacionais.
Foto: Acervo pessoal

CONEXÃO SEMEIA – Quais os maiores aprendizados obtidos nesse primeiro ano de viagem? 

Letícia – Em relação à viagem em si, o maior aprendizado foi a valorização do não planejado. Por mais que a gente se esforce em pesquisar previamente sobre os parques nacionais, novas portas se abrem quando chegamos e conversamos com os moradores do entorno. Por isso, hoje, toda vez que planejamos o próximo roteiro, deixamos um tempo reservado para imprevisto, pois sabemos que irão surgir coisas novas – e incríveis! Já em relação ao nosso contato com os parques, o maior aprendizado tem sido perceber e entender a conexão entre as unidades de conservação. Antes, a gente olhava um parque como uma unidade em si, isolada. Hoje, enxergamos ele como parte de um  todo. 

CONEXÃO SEMEIA –  Como o planejamento foi adaptado à “vida real”?

Dennis: Acertamos no formato de percorrer a expedição com uma caminhonete e um trailer. Faz muito sentido, pois assim podemos deixar a casa em um lugar seguro e sair com a caminhonete para outros lugares. Mas estamos adaptando o tamanho. Iniciamos com um trailer mais confortável, com banheiro e cozinha interna – praticamente uma casa! Mas, ao longo do tempo, percebemos que ele era muito grande para a nossa necessidade. É um peso literal que iremos diminuir (trocando por um trailer menor) para facilitar nosso acesso aos parques. O que também estava fora do planejamento e colocamos como parte importante da viagem são as nossas visitas ao ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade). É algo que o turista convencional muitas vezes não consegue fazer porque não tem tempo, mas para nós é sempre uma surpresa muito grata. São pessoas engajadas, capacitadas e abertas ao diálogo, que sabem toda a história do parque. Aprendemos muito com eles.

O novo trailer do casal: mais compacto para facilitar o acesso aos parques.
Foto: Acervo pessoal

CONEXÃO SEMEIA – O que mais surpreendeu vocês no primeiro ano de viagem?

Letícia: O papel da sociedade civil na conservação dos parques e o trabalho dos guias e dos guardiões me surpreenderam positivamente. São pessoas que vivem o dia a dia do parque e estão ali com o coração. Já uma surpresa negativa foi perceber que não existe nenhum parque 100% livre de perigo. Por mais antigo e bem estruturado que seja, ainda há inúmeros riscos: Incêndio, caça, garimpo, brigas entre a comunidade. Mas sempre tomamos o cuidado para não generalizar e entender a complexidade de cada local. 

Dennis: O que mais me surpreendeu foram os “neoconservacionistas”. São pessoas que já foram caçadoras, desmataram ou trouxeram algum tipo de prejuízo ao parque (muito por conta de uma tradição familiar), mas hoje são defensoras do meio ambiente. Não é que se neutralizaram, é mais poderoso que isso: são pessoas que eram caçadoras e hoje protegem o parque da caça. É mudar de bandido para mocinho. Isso acontece muito por conta das oportunidades econômicas que o ecoturismo traz para as comunidades do entorno. 

Para Letícia, o grande desafio dos parques hoje é apoiar os turistas a se transformarem em ecoturistas.
Foto: Acervo pessoal

CONEXÃO SEMEIA – Qual parque nacional mais gostaram até agora?

Letícia:  Todos os parques pelos quais passamos nos ensinaram alguma coisa. Aprendemos que, se estivermos abertos a escutar a natureza, sempre sairemos com algo positivo. Volto ao que disse no início: acredito que as melhores experiências vieram do que não esperávamos. Uma delas, muito significativa, foi a do pôr do sol nas Cataratas do Iguaçu (Parque Nacional do Iguaçu). Sabíamos que seria um espetáculo – e realmente foi maravilhoso, mas o mais incrível veio depois. Quando o sol saiu de cena, observamos a revoada de centenas de andorinhas em um movimento para entrar atrás das cataratas. Depois apareceram os urubus planando, como se também estivessem reverenciando o cenário. E, então, quando olhamos para um outro ponto específico, havia uma família de jacutingas – os pais pareciam ensinar os filhotes a voar. Essa experiência marcou nossa relação com o parque. E inúmeras outras também nos pegaram desprevenidos.

Imagem de uma jacutinga fotografada pelo casal no Parque das Aves (PR).
Foto: Acervo pessoal

CONEXÃO SEMEIA – Que diferenças vocês conseguem perceber em vocês hoje, em relação ao ano passado?

Dennis – Nossos óculos não são mais os mesmos. Hoje enxergamos melhor os milhares de tons de verde da natureza. Expandimos o nosso vocabulário, sabemos o que é o Cerrado, o Pampa, a Mata Atlântica. Quando olhamos as árvores, sabemos, por exemplo, o papel da embaúba em permitir que a floresta devastada comece a se recompor – e, por isso, ficamos felizes ao vê-la. Estamos mais integrados à natureza e criamos uma relação familiar com ela. É interessante andar pelo mato e chamar as coisas pelo nome, isso dá um conforto muito grande. Além disso, hoje sabemos qual a fonte da água que estamos bebendo. Isso nos faz pensar nas inconsciências de quando morávamos em São Paulo. 

CONEXÃO SEMEIA – Na percepção de vocês, quais os maiores desafios dos parques no Brasil?

Letícia: O grande desafio é apoiar os turistas a se transformarem em ecoturistas, ou seja, fazer com que eles saiam do parque efetivamente transformados. Porque essa é a grande beleza do ecoturismo! Além de tirar fotos e trazer lembranças incríveis, precisamos incentivar a reflexão  sobre nossos hábitos. Que a visitação dos parques venha cada vez mais acompanhada de educação ambiental, que ajude a ampliar nosso senso de responsabilidade – afinal, os parques estão aqui para serem visitados, mas também para garantir a sobrevivência de todos nós, humanos e não humanos. 

CONEXÃO SEMEIA –  Qual a importância do ecoturismo para a conservação da natureza?

Dennis: É importante conhecer para conservar. Essa é uma frase em que acreditamos, por isso saímos nessa expedição. As pessoas conservam aquilo que amam, e só amam aquilo que conhecem. Precisamos conhecer os parques, nos apaixonar por eles – só assim poderemos conservá-los. E isso não significa necessariamente viajar até uma UC, até porque não é todo mundo que tem essa oportunidade. Se você não pode visitar um parque, visite uma praça, por exemplo. Precisamos buscar a nossa reintegração ao mundo natural. 

CONEXÃO SEMEIA –  Quais as expectativas para o próximo ano de Entre Parques BR?

Letícia: Queremos estar mais leves no sentido literal – como disse, teremos um novo trailer, com um terço do peso anterior. Mas também seremos mais flexíveis e abertos a mudanças de roteiro. Vamos entrar em uma região desconhecida para nós (Norte e Nordeste) e estamos muito animados para conhecer e continuar aprendendo muito.

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