Gabriela Carvalho
Gestora do Parque Estadual de Ilhabela (SP)
“Temos que garantir que os parques continuem existindo, que continuem sendo criados e fazendo o papel de conservação para esta e para as futuras gerações”
Desde 2023 à frente da unidade de conservação no litoral norte paulista, Gabriela tem uma história conectada a áreas protegidas desde a adolescência.
17/06/2024
Quem atua na área de gestão ambiental tem uma missão de fundamental importância para a vida: administrar os recursos naturais e conciliá-los com os interesses da população, seja via setor público ou setor privado.
No dia 17 de junho, Dia do Gestor Ambiental, o Conexão Semeia conversa com Gabriela Carvalho, gestora do Parque Estadual de Ilhabela (SP) e uma pessoa totalmente apaixonada pela área.
Desde 2023 à frente da unidade de conservação no litoral norte paulista, essa mineira de Uberaba tem uma história conectada a áreas protegidas desde a adolescência – e fez escolhas conscientes de carreira que a fizeram estar hoje nesta função do Parque Estadual de Ilhabela.
Confira a entrevista completa:
CONEXÃO SEMEIA – A sua ligação com a área ambiental vem desde quando você era adolescente. Pode contar como isso começou?
Gabriela – Sou de Uberaba (MG). Quando tinha uns 15 anos, comecei a frequentar o Parque Nacional da Serra da Canastra, e desde essa época comecei a entender um pouco de unidades de conservação, sempre muito em contato com as comunidades ao redor. Comecei a entender os conflitos, porque o parque foi criado e como foi feito isso.
Comecei a me interessar pela questão de áreas protegidas. Quando fui pra faculdade, resolvi fazer turismo. Mas eu não queria um monte de gente nos lugares (risos). Aí pensei em trabalhar com turismo de uma forma organizada e ordenada.
CONEXÃO SEMEIA – Então desde muito jovem já tinha essa coisa da gestão em você?
Gabriela – Tive um professor de gestão ambiental que despertou isso. Ele levou a gente para Bonito (MS), para a Serra da Canastra. E comecei a entender melhor o que era trabalhar em uma unidade de conservação e ecoturismo. Quando chegou a hora de fazer estágio, resolvi que seria no Parque da Chapada dos Veadeiros. Passei por todos os setores, desde manutenção de trilhas, recepção, parte administrativa… Aí falei comigo mesma: “opa, é isso mesmo que eu quero fazer”. E desde então comecei a trabalhar com unidades de conservação.
CONEXÃO SEMEIA – Mas daí até chegar ao Parque Estadual de Ilhabela foi um caminho longo, certo?
Gabriela – Sim, estamos falando aí de começo de 2005, 2006. Meu namorado da época, que é o pai do meu filho, trabalhava no Ibama e já tinha voluntariado na Funatura, uma ONG que tem em Brasília. Aí quando me formei, fui voluntariar lá também. Foi quando surgiu o primeiro projeto de consultoria que foi o Mosaico de Unidade de Conservação Caverna Peruaçu e Grande Sertão Veredas. Essa ONG fazia a cogestão do Grande Sertão Veredas, então já tinham um espaço naquela região do Noroeste de Minas Gerais. Na verdade, trabalhei primeiro num projeto de turismo eco cultural de um assentamento na área, com o diagnóstico turístico, e depois fui para esse trabalho no Mosaico.
Já nessa época tinha o sonho de ser gestora de unidade. Aí prestei alguns concursos para o Ibama, na época, porque eu tinha isso na cabeça: passo no concurso, começo a trabalhar e quem sabe vem o convite para me tornar gestora. Prestei concursos e não passei (risos). Continuei a trabalhar na ONG e aí meu ex-marido passou em um concurso e nos mudamos para Belém.
CONEXÃO SEMEIA – Mais uma mudança na vida, né?!
Gabriela – Isso. Em Belém eu fui ser coordenadora de ecoturismo do Instituto Peabiru, trabalhando muito com turismo de base comunitária, especialmente na região de Curuçá (PA), onde tem uma Reserva Extrativista. Depois também trabalhei no Parque Estadual de Monte Alegre (PA), que é um lugar maravilhoso, cheio de pinturas rupestres. Lá também desenvolvemos o turismo de base comunitária com as comunidades ao redor do parque. E é um lugar que vejo notícias até hoje que a comunidade realmente desenvolveu essa prestação de serviço turístico dentro do Parque.
E fui me apaixonando cada vez mais por unidade de conservação. Esses quatro anos pós formada em Turismo foram essenciais para, dentro do campo, descobrir a minha paixão e o que eu queria da vida em relação a unidades de conservação.
CONEXÃO SEMEIA – Interessante que, no começo da sua fala, você comenta sobre sua relação com as pessoas do Parque da Canastra. Anos depois, recém-formada, você trabalha com turismo de base comunitária no Pará. Têm conexão as duas coisas, né?!
Gabriela – Eu acho que sim.
Essa relação de unidade de conservação com as comunidades locais sempre me interessou. Na década de 60, 70 era simplesmente olhar alguma área e fazer uma unidade de conservação, e tira o povo dali. Só que essas pessoas, essas comunidades tradicionais, são elas que sabem lidar da melhor forma com a natureza. Tem que haver uma conversa, não dá pra simplesmente tirar famílias que moram ali há 200 anos. Isso vem mudando ao longo dos anos, inclusive aqui no Parque Estadual de Ilhabela existem comunidades que moram dentro. Mas naquela época não era assim.
Sempre quis encontrar esse equilíbrio entre o uso das comunidades tradicionais ao lado das unidades de conservação e como isso pode coexistir.
CONEXÃO SEMEIA – Com esses anos de experiência você realmente sente que isso tem mudado?
Gabriela – Hoje as comunidades tradicionais e as comunidades do entorno, aqui no Parque Estadual de Ilhabela pelo menos, já entendem o parque como uma unidade que auxilia as comunidades a serem protegidas.
Mas ainda existem conflitos. Acredito que especialmente por conta de como as unidades foram tratadas historicamente: falta de valorização, falta de recursos. Aqui em Ilhabela, as comunidades são afastadas e muitas vezes temos dificuldade de chegar até elas, seja porque o mar virou ou pela dificuldade logística. E isso pode acabar gerando um certo afastamento.
CONEXÃO SEMEIA – Falando nisso, como você chegou até o Parque Estadual de Ilhabela?
Gabriela – Frequento a cidade desde criança, minha mãe sempre falou que queria passar o resto da vida dela aqui (risos).
Vim para cá trazer meu currículo, vim até o Parque. E aí a gestora da época, Joana Fava, entrou em contato comigo e me chamou para a vaga de monitora ambiental, que tinha a função de interação socioambiental, justamente com comunidade tradicional como comunidade do entorno. E aí vim pra cá, largando um trabalho que eu ganharia 3 vezes mais do que aqui e me mudei com meu filho.
Foi a primeira vez que trabalhei diretamente dentro, em setembro de 2016. Fiz o curso de guia na época também, que era uma coisa que eu queria fazer. Em 6 meses acabei indo para a área de uso público, que sempre foi algo que me interessou.
CONEXÃO SEMEIA – E como foi o passo para se tornar gestora do Parque?
Gabriela – Fiquei no programa de uso público por quatro anos, mais ou menos. Mas resolvi sair do Parque, porque estava querendo outras coisas. Surgiu o Projeto de Educação Ambiental Rendas do Petróleo, aqui em Ilhabela mesmo. Quando estava lá, recebi o convite para trabalhar na gestão do Parque Estadual de Ilhabela.
Não estava esperando o convite, fiquei muito surpresa e feliz, porque foi um reconhecimento pelo que eu já tinha feito no Parque. Sabia dos desafios gigantescos que teria, mas se eu não aceitasse acho que iria me arrepender pelo resto da vida. Pela minha carreira e pela minha paixão por unidades de conservação, me senti na obrigação de aceitar.
CONEXÃO SEMEIA – Quando você entrou, o que você encontrou foi parecido com o que esperava?
Gabriela – Como eu já tinha trabalhado aqui, já sabia mais ou menos o que iria encontrar – até porque eu sempre estive muito próxima da gestão. Mas alguns desafios vêm no dia a dia. Vejo a Fundação Florestal (gestora das unidades de conservação do estado de São Paulo) muito mais consistente do que era quando entrei no Parque Estadual de Ilhabela a primeira vez. Vejo uma força de mudança, vejo as melhorias e uma equipe muito dedicada.
Trabalhar na área ambiental, se não tiver paixão, esquece (risos). E nas conversas com gestores de outras unidades, eu vejo muito isso. Temos que acreditar nisso: que fazemos parte do meio ambiente, que as unidades de conservação são o futuro das gerações. Se elas não existissem, estávamos sofrendo muito mais com as mudanças climáticas, por exemplo. Temos que garantir que elas continuem existindo, que continuem sendo criadas e fazendo o papel de conservação para esta e para as futuras gerações.
Se eu não acreditasse nisso, não estaria aqui hoje. Os desafios fazem parte e eles são bem grandes, mas é sempre um ajudando o outro. A gente não faz gestão sem equipe, sem apoio institucional e vejo que está todo mundo querendo melhorar.
CONEXÃO SEMEIA – Como você sente que é trabalhar na gestão de um parque?
Gabriela – Fazer gestão de unidade de conservação engloba muitos problemas e muitas soluções. Às vezes você tem que ter muita delicadeza no trato: levando em consideração todos os lados, pensando que estou dentro de uma unidade de conservação, então tenho que defender os interesses e objetivos de um Parque. Mas convivo com pessoas, então não tem jeito de só cuidar da natureza (risos). É tentar buscar o equilíbrio da convivência, tanto com a equipe quanto com as comunidades – tentando acolher o que outras pessoas esperam de uma unidade de conservação. Muitas vezes a sociedade civil não entende o papel de uma unidade de conservação, e esse contexto dificulta o “fazer gestão” de fato.
CONEXÃO SEMEIA – Você vê mudança em como a sociedade em geral vê as unidades de conservação desde que começou a carreira?
Gabriela – Hoje em dia, minha vida praticamente é unidade de conservação, então minha visão tem isso. Mas acho que tem uma melhora na divulgação, em como se faz a comunicação. Vejo que melhorou de 20 anos para cá o entendimento do que são essas áreas e porque elas têm que continuar existindo. Mas ainda acho pouco perto do que deveria ser. Acho que ainda estamos bem longe disso.
CONEXÃO SEMEIA – O que você acha que falta para que isso seja incrementado?
Gabriela – Às vezes, reflito nas áreas naturais protegidas fora do Brasil, especialmente Europa e Estados Unidos. Acho que eles já detonaram tanto a natureza que têm uma visão melhor da necessidade de proteção, porque entendem a falta que faz. Aqui, como temos ainda muitos recursos naturais, muita área preservada, grande parte das pessoas ainda não acordou para essa necessidade de proteção.
Acho que ainda falta mais educação, inclusive de base, de se manter essas áreas, dos objetivos das unidades, da valorização da natureza. Será que essas pessoas só vão valorizar quando a gente já não tiver mais? Espero que não. As pessoas precisam entender da importância, e isso vem pela educação, seja do poder público e também da sociedade civil se interessar. Um dos maiores problemas de falta de valorização dessas áreas é a educação.
Às vezes, as pessoas não compreendem o que é fazer gestão de uma unidade de conservação. A gente não para o dia inteiro, sempre equilibrando as prioridades do Parque. E o Brasil tem um histórico em que a questão ambiental não é prioridade, mas as pessoas precisam cada vez mais entender qual a importância das áreas naturais protegidas.
As coisas têm melhorado muito, muito mesmo, nos últimos tempos. É complexo lidar com um problema histórico, de décadas que a gente nunca teve o olhar que deveria ser dado para isso. Mas tenho a esperança de que elas sejam supervalorizadas em breve: que exista uma maior valorização de recursos humanos, financeiros e de visitação. Porque o jargão “conhecer para preservar” é muito correto.