Clarice Silva

Gestora do Parque Estadual do Ibitipoca (MG)

“Conseguimos muito êxito no trabalho de conservação dialogando com a comunidade”

Clarice Silva, assumiu a gerência do Parque Estadual do Ibitipoca em 2019, mas têm sua história ligada ao parque desde os 11 anos de idade. A gestora acredita no papel do parque para o fortalecimento da educação ambiental no entorno.

07/12/2023

Uma das unidades de conservação mais visitadas de Minas Gerais, o Parque Estadual do Ibitipoca é um verdadeiro santuário ambiental. Com visuais belíssimos, vasta flora e fauna abundante, ele fica encravado entre as águas dos rios Paraíba do Sul e Grande.

Recentemente, em agosto de 2023, ele passou por um processo de concessão, com o objetivo de incrementar a visitação, a educação ambiental e a articulação com o entorno – atividades fundamentais para a conservação.

Pode até se chamar de coincidência, mas a relação da atual gerente do local vem desde que ela era pequenininha. Clarice Silva se apaixonou pelo Parque Estadual do Ibitipoca aos 11 anos de idade.

Nesta conversa com o Conexão Semeia, ela conta um pouco sobre os caminhos da carreira e traz vivências muito ricas para quem trabalha na área.

Confira a entrevista completa:

CONEXÃO SEMEIA – Primeiro de tudo, a gente gostaria de saber um pouco da sua história, Como você chegou até o Parque Estadual do Ibitipoca?

Clarice – Eu adoro contar a minha história! Quando eu era criança, com 11 anos, uma amiga minha vinha sempre pra Ibitipoca e me chamou um dia. Eu vim e cheguei aqui pela primeira vez na garupa de uma moto, vinda de Juiz de Fora (cerca de 90km de distância do Parque Estadual do Ibitipoca). Quando comecei a andar pelo parque, cheguei na Prainha, pensei: “nossa, estou apaixonada”. E perguntei quem que cuidava disso daqui.

Me falaram que era uma Engenheira Florestal. Aí já pensei: “então é isso que eu vou fazer”.  

Foto: Arnoldo Gomes

CONEXÃO SEMEIA – Que coisa incrível. Desde criança você já queria trabalhar neste parque especificamente?

Clarice – Pois é, foi assim que tudo começou. Desde então, nunca mais parei de vir para Ibitipoca e sempre falando que um dia eu ainda iria trabalhar aqui.

CONEXÃO SEMEIA – O seu contato com o meio ambiente veio dessa relação com o Parque Estadual do Ibitipoca?

Clarice – Minha mãe, especialmente, é bastante rural, então sempre tive muita vivência com natureza desde criança. Quando eu vim aqui, vi esse lugar maravilhoso e foi aí que me apaixonei. Mas já tive uma visão de “eu quero trabalhar com isso”. Coloquei isso na minha cabeça mesmo. Na minha adolescência eu vim aqui muitas vezes, muitas clandestinamente escondida do meu pai (risos). Qualquer oportunidade, eu estava vindo pra Ibitipoca.

Aí foi chegando a época do vestibular e eu já sabia que ia fazer Engenharia Florestal, mas também prestei Comunicação, porque é algo que está na minha veia. Passei nos dois, mas fui fazer Engenharia em Viçosa. Logo no final do primeiro semestre, procurei o professor Gumercindo e ele me orientou a arrumar um estágio no Parque Estadual do Ibitipoca.

Cheguei pra fazer estágio e a Rita, que era a Engenheira lá de 89, quando eu vim a primeira vez, foi quem me recebeu. Outra coisa interessante foi que em 95, no estágio, eu estava fazendo questionário para fazer o Levantamento do Perfil do Visitante e conheci o pai da minha filha aqui. Ou seja, até isso tem a ver com a minha história com o Parque.

CONEXÃO SEMEIA – A sua vida está muito conectada com o Parque de uma maneira muito forte, né?!

Clarice – Totalmente. A minha monografia, que agora chama TCC, também foi sobre Ibitipoca. Logo depois que eu me formei, surgiu uma oportunidade de trabalhar no entorno do Parque, em uma propriedade privada. Fazendo os primeiros passos do plano de manejo, as primeiras sinalizações.

Logo em seguida passei em um concurso do IEF (Instituto Estadual de Florestas), em 2006.

CONEXÃO SEMEIA – E já foi para trabalhar no Parque do Ibitipoca?

Clarice – Sim, eu entrei no Parque, mas até hoje eu queria saber qual era minha função na época (risos). Trabalhava mais com a parte de educação ambiental e integração com o entorno, que é uma coisa que eu gosto muito. O desenvolvimento do entorno a partir de uma Unidade de Conservação é uma responsabilidade muito grande nossa.

Fiquei aqui 3 anos nesse trabalho. Fui transferida pro escritório do IEF em Juiz de Fora, ainda trabalhando com educação ambiental e demandas da área de regularização ambiental, mas sempre envolvida com Unidade de Conservação. Aí me chamaram para assumir a gerência do Parque Estadual da Serra do Papagaio, no Sul de Minas.

CONEXÃO SEMEIA – Foi fácil de aceitar este convite do IEF?

Clarice – Fui com a maior alegria. Chamei minha filha e fomos. Foi uma época muito boa, até para refazer a minha história em Unidades de Conservação dentro do IEF. Começamos a fazer muitas coisas por lá, como um projeto de prevenção e combate a incêndios, com o apoio de bases comunitárias.

Logo em seguida fizemos uma alteração na parte relacionada ao uso público do Parque em seu Plano Manejo. Foi aí que teve um divisor de águas.

CONEXÃO SEMEIA – Você pode contar para nós?

Clarice – Fui a um evento em Curitiba em que estava sendo lançado um manual prático para sinalização de parques, no estande do WWF. Achei que tinha tudo a ver com o que a gente estava vivendo no Papagaio. Porque a ordenação da visitação no parque já era algo que estávamos querendo fazer, do jeito que conseguíssemos.

O livro ensinava justamente isso, como era até mais fácil do que a gente imaginava. As pessoas que trabalhavam no Parque ficaram muito animadas e aí eu tive a ideia de fazer uma oficina para os guias e funcionários, usando o livro como material didático.

Fui olhar quem era o autor, e era o Pedro da Cunha e Menezes. Mandei uma mensagem pra ele via Facebook. Ele, super acessível, adorou a ideia. Conseguimos uma van para buscar o pessoal que ia fazer a oficina, da Transcarioca, e o Pedro veio junto.

Antes deles chegarem, a gente já colocou algumas sinalizações, para mostrar que já estávamos trabalhando de acordo com o manual. A primeira coisa que ele falou foi “você é craque!”. A oficina foi maravilhosa. E em conversas com o Pedro, ele me disse que se voltasse pro ICMBio iria me levar para lá. Nessa época eu entrei ali na linha de frente da Rede Brasileira de Trilhas, e o Pedro e eu nunca mais perdemos a relação.

CONEXÃO SEMEIA – E como foi essa sua passagem pelo ICMBio? Aconteceu mesmo?

Clarice – Sim, ele voltou para o ICMBio e eu fiquei cedida três anos no ICMBio. Ainda passei 4 meses no Parque Estadual do Itacolomi, para cobrir umas férias premium. E aí, sim, fui para o ICMBio. Passei pelos Parques Nacionais dos Aparados da Serra e de Serra Geral, naqueles cânions maravilhosos, e depois fui para o Parque Nacional do Caparaó.

Nos Aparados tinham algumas missões de abordagem de uso público, que foram bem complexas. No Caparaó estava tudo indo de vento em popa e recebi um chamado se eu queria vir para o Ibitipoca.    

CONEXÃO SEMEIA – Aí o seu coração falou mais alto, né?!

Clarice – Não teve jeito. Quando eu ia ser exonerada, as pessoas não queriam que eu saísse, porque as coisas estavam funcionando muito bem no Caparaó, o parque estava dando uma movimentada boa e tal. Estava todo mundo ganhando, especialmente o trade turístico. Foi nesse meio tempo, do pessoal se movimentando pra eu não sair do ICMBio, que veio o convite para voltar para o Parque Estadual do Ibitipoca.

Tive que pensar um pouco mais em mim, e não sabia muito bem como seria a sequência ali, o Pedro já tinha sido exonerado na época. E o meu lugar da vida que é Ibitipoca. Recebi o convite com muita honra e vim assumir a gerência em 2019.

Foto: Paula Campos

CONEXÃO SEMEIA – Você chega no Ibitipoca como gerente com uma bagagem não só da gestão pública em Unidades de Conservação, mas também de um conhecimento político maior. Isso deve ter ajudado muito, não?

Clarice – Isso ajudou muito minha chegada, aliada a boas sessões de psicanálise (risos). Uma maturidade profissional e política muito grande. Por mais técnico que a gente seja, é um cargo que exige um jogo de cintura político.

Foi um aprendizado muito grande nesse período. Com os colegas mais experientes, com as vivências… Fiz uma rede de amigos no ICMBio que faz com que eu nem me sinta dissociada de lá. A gente trabalha junto, IEF e ICMBio, o que é muito legal.  

CONEXÃO SEMEIA – O Parque Estadual do Ibitipoca tem uma parceria que é muito recente. Você pode contar um pouco sobre como está sendo esse processo?

Clarice – A Parquetur começou a operar em agosto de 23, é muito recente (nossa conversa com a Clarice foi em novembro de 2023).

Nós sabemos que o Parque é muito mais do que visitação. É claro que o uso público é nosso grande objetivo, afinal nossa ferramenta de conservação é a visitação. Mas estamos em uma missão muito forte de mostrar para a sociedade brasileira que a parceria tem o intuito de melhorar a qualidade do serviço.

O que eu penso: nós, como órgão ambiental, não temos a dinâmica que a atividade turística precisa. Não é só por causa do orçamento que fazemos parcerias.

Queremos mostrar que a parceria com a Parquetur veio para fortalecer o IEF. IEF é o gestor do Parque Estadual do Ibitipoca, a parceira entra para fazer a operação da visitação, com um contrato que foi feito por nós. Queremos apresentar para o mundo essa parceria, fazer um negócio bacana e mostrar que vai ser melhor para todo mundo. E é o momento certo para isso.

CONEXÃO SEMEIA – Por que você diz que agora é a hora certa?

Clarice – Precisamos de tempo para as outras atividades, estávamos dedicando tempo só para a visitação. A parte que não é visitação, tadinha, não estava dando tempo. Educação ambiental que a gente estava fazendo era dar “bom dia” a visitante. Estávamos sem perna para fazer, agora podemos investir mais nisso. E outras tarefas, como a integração com o entorno.

CONEXÃO SEMEIA – Você falou das relações políticas e também falou da importância das Unidades de Conservação com o entorno. Como você vê a sua função com o entorno, com comunidades locais e poder público, por exemplo?

Clarice – A palavra-chave para todas essas relações é respeito. Seja prefeitura, sejam produtores rurais, seja comunidade. Eu já vi gente falar que não ia botar fogo no mato porque respeita a Clarice. Não é porque respeita qualquer outra coisa: é porque me respeita. A gente precisa criar um vínculo de respeito, de entender os interesses diferentes de cada um desses atores. Isso é muito positivo, porque assim nosso trabalho passa a ser mais respeitado.

Gosto de ficar do lado das pessoas. Como podemos auxiliar, como podemos apoiar? A pessoa já pensa que estamos do lado dela, que é verdade.

CONEXÃO SEMEIA – O que você está dizendo é que só falar “não” não adianta, é isso?

Clarice – Exatamente. Isso não funciona. É preciso ouvir, dialogar, esse é o meu estilo de trabalho. Consegui muito êxito no trabalho de conservação, que é nossa atividade fim, ouvindo e dialogando com a comunidade. As pessoas ficam felizes, com o bolso cheio por causa do turismo, o produtor rural feliz porque conseguiu fazer a queima dele com dignidade… É esse clima amistoso que eu procuro manter com o entorno.

Foto: José Garcia

CONEXÃO SEMEIA – Como você vê a relação ideal de uma Unidade de Conservação com o entorno?

Clarice – Transparência e a criação de espaços participativos. Até um grupo de WhatsApp é um espaço de participação, de ouvir e falar com as pessoas.

A transparência também é muito importante. Onde tem mistério, se gera especulação – que geralmente não são boas. Quando somos transparentes, damos pouca margem para isso. Essa coisa do espaço aberto também é fundamental: fazer reunião com condutores, com moradores, com as pessoas do entorno. Eu faço assim: começou a debater no WhatsApp, já marco uma reunião para que a gente possa conversar olho no olho, se respeitando. E isso não só com o entorno, mas também com a equipe interna da Unidade.

CONEXÃO SEMEIA – E no mundo ideal, como você vê as Unidades de Conservação?

Clarice – É uma ideia que eu tenho desde a universidade. Sempre pensava que um parque é um núcleo de conservação, mas que o raio dele se expande mais. Conseguir que aquela área protegida e o raio de conservação dele seja expandido. E aí envolve todos saírem ganhando, os benefícios sócio-econômicos-ambientas-culturais da conservação.

Até brinco: se o Homo sapiens sapiens fosse o Homo sapiens naturabilis não iria precisar delimitar uma área protegida. As belezas todas seriam propulsores de desenvolvimento socioeconômico do entorno. Era só bater o olho e deixar tudo sagrado. Mas a realidade que temos é essa.

Que essas áreas possam se multiplicar e expandir o raio de conservação.  

CONEXÃO SEMEIA – Qual o legado você gostaria de deixar?

Clarice – Contribuir para desenvolver o Brasil em relação a conservação, evoluindo no uso público de lazer e recreação nas Unidades de Conservação e outras áreas protegidas. Temos um potencial gigante para sermos mais relevantes do que outros países que estão à frente mundialmente. E acho que tem tudo a ver com isso que falei sobre diálogo com o entorno, convergência de interesses e da questão das parcerias.

Parcerias como estratégia de gestão, dessa história de “você vendeu o parque, privatizou”, e não é nada disso. Queria que as pessoas falassem: “ela participou dessa grande mudança”. Acredito que isso vai acontecer. 

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