Christoph Jaster

Gestor do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque (AP/PA)

“A grande missão das unidades de conservação é cativar as pessoas pela questão ambiental. Se conseguirmos, esse país vai ficar melhor”

Christoph acredita que o Montanhas do Tumucumaque precisa ser um instrumento de educação ambiental para despertar nas pessoas um sentimento ambientalista. Confira a entrevista completa!

18/08/2023

Quase 4 milhões de hectares e uma das poucas florestas tropicais do mundo praticamente imaculadas. Localizado no extremo norte do Brasil, em uma extensão similar à de países como a Holanda, este é o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque – um verdadeiro tesouro amazônico. Com quase toda sua área ocupando o estado do Amapá (cerca de 1% está no Pará), abriga uma das mais ricas biodiversidades do Brasil.

Fazendo divisa com a Guiana e com o Suriname, ele é simplesmente o maior Parque Nacional do país. E é justamente na gestão dele que Christoph Bernhard Jaster atua desde 2003. As histórias dele e do Montanhas do Tumucumaque, aliás, se confundem de uma maneira poética: alemão de nascimento, Christoph iniciou o processo de naturalização brasileira ao mesmo tempo em que o parque era criado, em agosto de 2002.

Esta e outras histórias você acompanha nesta conversa que ele teve com o Conexão Semeia.

Confira a entrevista completa:

CONEXÃO SEMEIA – Antes da gente falar sobre o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, queremos conhecer um pouco mais da sua história. Quando veio para o Brasil?

Christoph – Vim com 3 anos de idade. Foi quando meu pai começou os trabalhos na agência internacional de cooperação técnica, que trabalhava com o que é hoje a Embrapa. Fui escolarizado aqui no Brasil, depois retornamos para a Alemanha e depois voltamos novamente ao Brasil. Fiz o vestibular em Curitiba e me formei engenheiro florestal em 88.

CONEXÃO SEMEIA – Veio daí seu primeiro contato profissional com a área de meio ambiente?

Christoph – Isso. Me formei em 88 e trabalhei por um ano em um projeto de manejo de fauna, na região de Itaipu. Quando esse projeto finalizou, minha mãe conseguiu uma passagem pra mim e falou: vai para Alemanha amadurecer. Lá, fiquei sabendo de um curso de Ciências Florestais Tropicais e Subtropicais na Universidade de Göttingen, uma instituição acadêmica absurdamente renomada. Era uma época que eu estava pensando em mudar de área, mas aí voltei a me entusiasmar pela questão florestal.

CONEXÃO SEMEIA – Foi isso que trouxe essa paixão por meio ambiente?

Christoph – Sim e não. Isso foi um input importante nessa tendência, mas esse interesse de trabalhar com meio ambiente era subliminar e ainda velado. Meu trabalho de campo foi feito em um Parque Nacional no Sul do Brasil, no litoral norte do Paraná. Aquele pedacinho do litoral do Paraná que faz divisa com São Paulo, o Parque Nacional do Superagui, com vegetação de restinga, floresta atlântica.

Defendi a dissertação, mas em nenhum momento quis ficar na Alemanha. Sempre estava determinado a retornar ao Brasil depois que concluísse essa etapa na Alemanha.

CONEXÃO SEMEIA – Foi quando você voltou para o Brasil que surgiu o concurso para trabalhar com unidades de conservação?

Christoph – Quando voltei me inscrevi para o doutorado, em Curitiba. Ingressei no doutorado e aquela situação que eu tinha visto no Superagui, dentro da vegetação de restinga, acabou sendo a temática do meu doutorado.

Na reta final do doutorado ocorreu o concurso do Ibama. Naquela época era Ibama, não existia ICMBio. Não estudei muito, não merecia passar. E na época o Ibama tinha a pior das famas, de uma instituição rançosa, cheia de vícios, etc. Não era um tipo de ambiente de trabalho que me atraía.

Fiz a prova e fui tão de cara limpa, tranquilo, acho que o meu estado de espírito foi o principal responsável por conseguir aprovar. De repente surgiu um sentimento de “será que não vale a pena?”. Pensei que valeria a pena entrar para fazer a diferença e contribuir de alguma forma.

CONEXÃO SEMEIA – Estamos falando de que ano?

Christoph – Em julho de 2002 saiu a lista dos aprovados com o meu nome. Eu estava aprovado no concurso e aí alguém falou assim: mas você é alemão, então não vai poder assumir. E eu fiquei de boca aberta, não sabia disso, era totalmente ignorante nessas questões. E era verdade: eu era alemão e não poderia assumir um cargo em serviço público brasileiro. Então decidi me naturalizar, que era uma coisa que eu já queria fazer.

Entrei com um requerimento em agosto de 2002, a naturalização saiu 8 meses depois. Até então já tinha saído a lotação (de onde ele iria trabalhar). Lembrando que o Parque do Tumucumaque foi criado em agosto de 2002, simultâneo a todo esse procedimento.

CONEXÃO SEMEIA – Pode contar um pouco de como é um pouco sua rotina no Montanhas do Tumucumaque? Você mora dentro do Parque?

Christoph – Moro na capital, Macapá, que é o lugar mais estratégico. Atuamos principalmente na região sudeste do Parque, que é a mais próxima daqui. São 100km de asfalto, mais 100km de terra para chegar em Serra do Navio, onde começamos a estruturar uma base administrativa lá, chamada hoje de Base Avançada. Fica a 200km da capital. Dali pra chegar no parque, a gente entra numa voadeira e sobe por 80km.

Naquele ponto de entrada do parque, através do rio Amapari, nós temos uma base rústica que queremos melhorar, estruturar, com tudo o que uma base tem que ter. É um lugar da confluência de dois rios, o Amapari e o Feliz. Ali tem uma pequena corredeira, umas ilhas, um lugar super, super bonito, lindo de morrer, fabuloso. E a gente gosta muito de ficar lá, até porque a gente fica longe da internet.

Foto: Acervo pessoal

CONEXÃO SEMEIA – Como é gerir uma unidade deste tamanho todo, o maior parque nacional do Brasil?

Christoph – Na verdade, para quem enxerga isso de fora, é diferente. Uma unidade de conservação com 4 milhões de hectares, quase 40 mil km², mais ou menos o tamanho do estado do Rio de Janeiro. Mas que a gente não se iluda, porque o tamanho da unidade não é tão relevante assim. Muito relevante é a dificuldade de gestão em razão das características particulares da unidade, e aí sim fazemos uma comparação.

CONEXÃO SEMEIA – Como foi sua recepção quando chegou ao Parque, lá em 2003?

Christoph – Quando a gente chegou aqui, se defrontou com um claro posicionamento de oposição ao Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque. Aí você tem que se colocar na posição de um amapaense, quando foi confrontado com a notícia de que o governo federal, que fica lá longe, do outro lado do rio Amazonas, chegou aqui no Amapá, entrou de sola e criou um parque que ocupa 27% da área do estado. Então a revolta foi grande. E foi ainda maior quando o pessoal soube que como gestor do Parque foi buscado um alemão azedo lá do outro lado do país para tomar conta desse pedaço de chão (risos).

Dá para perceber o tamanho do conflito que pode ter sido instalado na época da criação do parque no sentimento das pessoas daqui.

CONEXÃO SEMEIA – Até de pertencimento ao parque, que é uma coisa que falamos muito no Semeia.

Christoph – Principalmente isso. E aí tem uma coisa que eu gostaria de destacar que é muito importante: o rio Amazonas é uma fronteira psicológica entre o Amapá e o resto do Brasil. Existe esse sentimento de separatismo, de bairrismo, de isolamento em função do rio, que sempre foi um obstáculo em vários sentidos: geográfico, político, psicológico no sentimento das pessoas. Se tivesse sido o governo do estado que tivesse criado a UC, provavelmente seria tudo mais tranquilo.

CONEXÃO SEMEIA – Essa abordagem da população mudou ao longo dos anos?

Christoph – Existe uma premissa que se estabeleceu com a criação do ICMBio. Um dos lemas é a gestão participativa. Na época do Ibama era gestão de UC modelo redoma de vidro – ou seja, existe uma redoma onde tenta se cuidar dos ecossistemas, e blinda-se esse oásis contra qualquer tipo de interferência externa.

Essa filosofia mudou. O ICMBio buscou novos entendimentos, buscou a proximidade da população do entorno. Ele colocou acima de qualquer outra premissa a gestão participativa. Acho que de fato foi um enriquecimento do nosso campo e atuação. A gente interage fortemente com o meio externo.

Reconheci a necessidade absoluta de se proceder dessa forma. Porque esse modelo funciona, esse modelo é o que tem que acontecer. Você não pode blindar uma Unidade de Conservação do meio externo. Você não pode querer impedir que as pessoas interajam com essa UC, pelo contrário. Esse foi talvez o maior ensinamento que nós gestores tivemos com esse processo todo.

CONEXÃO SEMEIA – Como foi para você lidar com essa premissa de estar mais aberto a isso?

Christoph – Note bem: cheguei em 2003 por aqui, cheio de conhecimento acadêmico, do alto de um pedestal onde a academia me colocou, achando que estava abafando. E a gente acaba passando por um processo de “humildecimento”, vou inventar essa palavra (risos). A gente acaba baixando a nossa bola através de experiências profissionais ricas, baseadas na interação com as pessoas. Mesmo que as pessoas estejam erradas com o sentimento anti parque Montanhas do Tumucumaque.

Mas esse é um papel importante nosso: precisamos mostrar as coisas, precisamos ensinar, incentivar que as pessoas se aproximem da gente, que elas interajam e comecem a entender o sentido disso tudo.

Então, abra a sua Unidade para interação com pessoas, traga elas para perto de você, mostre o seu trabalho, mostre como isso é importante. Assim você vai criar multiplicadores, você vai criar simpatizantes da causa ambiental. Levou muito tempo para que a gente percebesse isso: as populações humanas não são antagônicas à questão ambiental, mas elas precisam entender. E para isso precisam estar próximas.

O Montanhas do Tumucumaque precisa ser um instrumento de educação ambiental, através da sua existência, através da interação com populações, com visitantes. E por isso a visitação é tão importante. O Tumucumaque precisa despertar nas pessoas um sentimento ambientalista melhor do que o que as pessoas tinham antes de conhecê-lo.

CONEXÃO SEMEIA – E você percebe que isso tem acontecido?

Christoph – Isso tem acontecido. Porque veja só: a ideia é supersimples. Se eu receber uma pessoa aqui que vem lá do centro de São Paulo. Ela pode morar em um condomínio vertical, com pouquíssima interação com o meio natural. Quando essa pessoa vem pro Tumucumaque, e nós conseguimos acolher bem e proporcionar uma experiência rica de convívio com a natureza, essa pessoa vai sair do Tumucumaque com a cabeça um pouco diferente, com mais sensibilidade ambiental do que ela chegou, a gente terá ganho a batalha. Porque essa pessoa ela vai voltar pro seu condomínio vertical e falar pros vizinhos o que aconteceu com ela. E assim você dissemina a mensagem ambientalista, sem radicalismo.

Foto: Acervo pessoal

CONEXÃO SEMEIA – Você tocou no tema da visitação. O Montanhas do Tumucumaque não é um parque fácil de visitar, certo?

Christoph – Esse é um ponto muito relevante. O modelo de visitação que é verificado, por exemplo, no Parque da Tijuca, não se aplica aqui. A Amazônia é uma coisa totalmente diferente. Quem não conhece a Amazônia, obrigatoriamente deveria vir ver de perto. Um brasileiro sem conhecer a Amazônia, não pode. Na Serra dos Órgãos, que tive oportunidade de conhecer, a via principal de Teresópolis passa em frente ao portal de entrada do Parque. É muito fácil, o visitante entra automaticamente, não precisa fazer esforço para receber as pessoas.

Aqui, não. Aqui precisa de uma estratégia complexa de comunicação, de marketing, para tornar o Tumucumaque salutar e interessante no sentimento das pessoas. A gente tem um produto que precisa ser colocado no mercado. O produto é a integridade ecossistêmica do Tumucumaque, em excelente ou até pleno estado de conservação da natureza. Você pode dizer que o parque é totalmente íntegro. Esse é o produto que que precisa estar no mercado.

CONEXÃO SEMEIA – Como as pessoas podem fazer para visitar, já que não é tão simples?

Christoph – Se você quiser vir ao Montanhas do Tumucumaque, vai ter que vir por Macapá e aí faz o contato direto com a gestão do parque para solicitar uma autorização. Vamos autorizar, indicar um piloto de embarcação, porque o acesso é sempre fluvial.

A partir do momento em que estivermos plenamente estruturados para receber um grande contingente de pessoas, aí sim eu posso entrar com a minha estratégia de marketing para tornar o Tumucumaque mais visitável. Por enquanto, a visitação é feita em escala experimental. Mas é sensacional, recomendo para todo mundo.

CONEXÃO SEMEIA – Queria que você falasse um pouco sobre o Montanhas do Tumucumaque. O que ele é, o que a gente encontra aí?

Christoph – A gente precisa fazer as pessoas compreenderem que a floresta do Tumucumaque é absolutamente espetacular. O tesouro que é viver uma floresta não alterada, que ainda não sofreu antropismo, é uma coisa que você só vai encontrar aqui na Amazônia. É uma floresta absolutamente magnífica, do jeito que uma floresta tem que ser. E é isso que a gente tem que colocar na cabeça das pessoas, você tem que despertar a sensibilidade das pessoas pelos detalhes dessa floresta.

Primeiro a pessoa vai se chocar em ver árvores de 80m de altura. E de fato isso é o nosso cartão de visitas: angelins gigantes do Tumucumaque. Como já falei várias vezes, precisamos colocar esse produto no mercado. Mas existem tantos e tantos elementos. O ambiente aquático, os peixes, a anta atravessando o rio, a fauna que é escondida, não é tão fácil de enxergar, mas se adotar a técnica certa vai conseguir ver coisas: macacos, predadores, cobras, muita coisa.

Foto: Acervo pessoal

CONEXÃO SEMEIA – Sabemos que aí existem alguns projetos de base científica. Você pode falar um pouco mais?

Christoph – O Parque já está no cenário da pesquisa internacional. Existe um projeto superinteressante acontecendo, com participação da comunidade científica internacional.

Temos trilhas que são basicamente trilhas de monitoramento da biodiversidade, que é um projeto grande que já está no nono ano de atuação. A gente também atua com câmeras fotográficas automáticas, que ficam 2, 3 meses em campo. São imagens magníficas: a onça brincando na frente da câmera, o tatu acasalando.

CONEXÃO SEMEIA – Esse monitoramento é feito por vocês ou tem alguma parceria?

Christoph – É um projeto do ICMBio chamado Programa Monitora, de Monitoramento da Biodiversidade. O que nos move aqui é o protocolo básico florestal, que trata com mamíferos, aves, borboletas frugívoras, que têm um bom poder de qualidade ambiental, e também árvores. Esses quatro elementos são abordados por esse protocolo básico. E aí tem outros protocolos complementares, que trabalham, por exemplo, com as câmeras automáticas.

Existem trilhas que são percorridas todo ano por monitores da biodiversidade, capacitados para essa finalidade. São pessoas contratadas para esse trabalho, para gerar os dados de que precisamos. Essa é uma forma muito interessante de interagir com o meio externo, porque com ele o Parque proporciona ganho de renda, ainda que de forma temporária.

CONEXÃO SEMEIA – Esse é só um dos projetos que geram renda dentro do Parque, certo?  

Christoph – Além dele tem o de Agente Temporário Ambiental, em que são contratadas pessoas como servidores do ICMBio. São duas frentes junto à população local, em que nós oferecemos emprego e renda.

Isso tem dois efeitos. Primeiro você gera renda a uma população necessitada. Segundo lugar, trazendo as pessoas para perto de você, você acaba transmitindo essa filosofia ambientalista pra ela também, e aí você cria multiplicadores. E a gente tem um super orgulho de falar que alguns dos nossos monitores de biodiversidade que foram por nós capacitados, estão hoje deslanchando em uma carreira ambiental, fizeram curso técnico em meio ambiente.

CONEXÃO SEMEIA – Vocês dão preferência a pessoas do Amapá nestas vagas?  

Christoph – Não somente pessoas do Amapá, mas a população prioritária a ser atendida por essas iniciativas é a que está em volta do parque. Talvez algumas dessas pessoas até foram caçadoras, pescadoras, atuassem em uma esfera da ilegalidade, por falta de conhecimento. E aí às vezes a gente consegue trazer essas pessoas pra perto da gente. Não quero repetir aqui aquelas histórias poéticas do ex palmiteiro que virou ambientalista e tal. Mas é um pouquinho por aí, sim. De qualquer forma ajudamos essas pessoas através dessas iniciativas e, além de parceiros, se tornam amigos às vezes. Então a gente tem uma ótima relação com esse pessoal, e isso é muito gratificante.

Para mais informações sobre visitas, o contato indicado é o perfil no Instagram: https://www.instagram.com/parnatumucumaque/

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