Parques naturais e parcerias comunitárias: o que são e como funcionam essas cooperações

Em ascensão nos últimos anos, essas parcerias buscam aliar a conservação ambiental, o uso público e o desenvolvimento comunitário.

19/02/2025

Foto: Gui Gomes

Parcerias têm se mostrado fundamentais para estruturar projetos que integrem conservação, visitação e desenvolvimento socioeconômico em unidades de conservação do Brasil. Entre as cooperações público-privada mais conhecidas estão as concessões e as permissões, mas existe um tipo que tem crescido nos últimos anos, com alguns exemplos bastante inovadores em diversas partes do país: as parcerias comunitárias.

De maneira bem resumida, estas colaborações entre poder público e comunidades locais  buscam aliar o tripé citado logo no começo deste texto: Conservação Ambiental – Uso Público – Desenvolvimento Comunitário, o ciclo virtuoso dos parques naturais brasileiros. Estas parcerias, que precisam ser adaptadas à realidade de cada contexto, acontecem especialmente em áreas que enfrentam desafios na conciliação desses temas (conservação, turismo e desenvolvimento local) com o modo de vida tradicional das comunidades locais.  

Listamos pelo menos três exemplos pioneiros de parcerias comunitárias em unidades de conservação do Brasil. Nos três casos, são projetos já estruturados que conectam associações de comunidades tradicionais, entidades do terceiro setor e poder público:

– Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, no Amazonas: parceria entre SEMA-AM, Instituto Mamirauá e Associação de Auxiliares e Guias de Ecoturismo de Mamirauá (AAGEMAM). 

– Parque Nacional do Pico da Neblina, também no Amazonas: parceria entre ICMBio e Funai com a Associação Yanonami do Rio Cauaburis e Afluentes (AYRCA) e a Associação das Mulheres Yanomami KUMIRAYOMA (AMYK), intermediada pelo Instituto Socioambiental (ISA). 

– Parque Estadual Ilha do Cardoso, em São Paulo: parceria entre Associação de Moradores do Itacuruçá e Pereirinha (AMOIP) com a Fundação Florestal.

Cada um destes projetos reúne necessidades muito específicas. Cada região é única – e é justamente por isso que a presença comunitária é tão importante. Afinal, quem mora no local é quem entende melhor as dinâmicas locais, a cultura e o estilo de vida comunitário. 

Vale pontuar que quando estruturadas de forma participativa, essas parcerias permitem que as comunidades locais se tornem protagonistas na gestão das atividades de uso público, como turismo de base comunitária (TBC) e ecoturismo.

“Fica clara a ideia de que para se ter a conservação, a população local tem que ter uma condição de vida minimamente aceitável. É fundamental que as comunidades locais sejam incluídas, que tenham oportunidades, para que a conservação exista. E as parcerias comunitárias são parte disso”, explica Pedro Meloni Nassar, coordenador do programa de Turismo de Base Comunitária do Instituto Mamirauá.

A Pousada Uakari oferece serviço de hospedagem dentro da Reserva Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá.

Parcerias comunitárias: a participação fundamental das associações

Na conexão entre órgãos ambientais, unidades de conservação e comunidades locais existe uma entidade extremamente importante. Essas entidades são, em geral, associações ou grupos organizados dentro das comunidades tradicionais – como indígenas, ribeirinhos, e caiçaras – que apresentam uma forte relação com o território das unidades de conservação. Vale destacar, aqui, que a Convenção nº 169 da OIT, que dispõe sobre Povos Indígenas e Tribais, ressalta que sejam consultados antes da implementação de qualquer medida administrativa ou legislativa que possa afetá-los diretamente.

No caso da RDS Mamirauá, localizada na região do Médio Solimões amazônico, quem predominantemente faz esse papel ao lado do Instituto Mamirauá é a Associação de Auxiliares e Guias de Ecoturismo de Mamirauá (AAGEMAM).

Criado em 1998, o Programa de Turismo de Base Comunitária do Instituto Mamirauá conta desde o início com a participação essencial das pessoas que moram na comunidade – sempre atuando lado a lado em ações turísticas envolvendo a tríade conservação, geração de renda e visitação. 

O TBC local tem como base a criação da Pousada Uakari, que oferece serviço de hospedagem dentro da Reserva. Hoje em dia, pessoas da comunidade local têm papel de protagonismo na empreitada de sucesso que envolve toda a operação, recebendo turistas do Brasil e de diversas partes do mundo. 

“Desde 2001 a gerência da pousada passou a ser comunitária, com a AAGEMAM começando a ter mais peso decisório, a realizar capacitações. Desde o início a ideia era essa”, lembra Pedro. 

No Parque Nacional do Pico da Neblina entidades locais, como a Associação Yanomani do Rio Cauaburis e Afluentes e a Associação das Mulheres Yanomani Komuroyama, também participam com protagonismo das decisões, inclusive na construção do Plano de Visitação do parque.

A visão de quem mora no local 

As parcerias comunitárias trazem uma visão única para a gestão das áreas protegidas, com um conhecimento muito grande sobre a realidade local. A conexão entre os conhecimentos dos moradores locais com instituições externas faz com que se encontre um denominador comum: de que atividades como ecoturismo e turismo de base comunitária possam ser uma solução benéfica e sustentável para todos os envolvidos. 

“Aqui no Mamirauá tem a história de uma comunidade que não podia ouvir falar em turismo, que eles não deixariam isso acontecer lá. Hoje, essa comunidade é uma das que mais trabalha ativamente com a pousada. As pessoas passam a entender, com essa troca, que o turismo é um aliado para a conservação”, explica Pedro Nassar.

Histórias como esta deixam claro que processos participativos, que envolvam diálogos e abertura para que a comunidade tenha voz, são importantes para que cada modelo de visitação se adapte à realidade local. Afinal, como já comentamos neste texto, cada região tem as próprias especificidades e uma vocação turística diferente. 

A percepção de retorno

O turismo de base comunitária e o ecoturismo são uma importante fonte de desenvolvimento econômico para uma comunidade tradicional – mas não podem ser encarados como solução única. 

A RDS Mamirauá, por exemplo, tem cerca de 100 comunidades. Para as pessoas que trabalham na pousada, o benefício pode ser visto diretamente, por meio do pagamento de serviços e diárias de trabalho. É um ganho individual, que nem sempre é visto pelas outras pessoas da comunidade. Frente a isso, a Pousada Uakari desenvolveu um benefício comunitário inovador.

“Nem todo mundo consegue ver o turismo funcionando economicamente, de maneira direta. Quem trabalha na pousada, quem atua como guia, tem isso diretamente. Mas quem tem outras atividades não consegue perceber. Foi daí que começou a ideia do benefício coletivo”, lembra Pedro. 

As pessoas da comunidade local têm papel de protagonismo em toda a operação da Pousada, recebendo turistas do Brasil e de diversas partes do mundo.

Inicialmente, os lucros gerados pela Pousada Uakari (que não tem fins lucrativos) eram destinados para a associação local, para financiar projetos comunitários como forma de beneficiar a população local. O problema é que, neste caso, esta verba estava atrelada ao fluxo de caixa – o que não era o ideal. 

A solução encontrada foi a Taxa de Apoio Socioambiental, cobrada de todas as pessoas que visitam turisticamente a região de Mamirauá. O fundo é repassado para as comunidades locais, a partir da associação-mãe que é a AAGEMAM, e cada uma delas investe nas benfeitorias que achar melhor. 

“Algumas reformam um ambiente coletivo, outras compram lanchas, que é fundamental na região. Mas o que fica é que o sistema funciona e as pessoas passaram a perceber o valor e a importância do projeto”, complementa Pedro. 

Os exemplos trazidos neste texto apresentam ideias e casos que já funcionam no Brasil: parcerias comunitárias que conseguem trabalhar em conjunto identificando, desenvolvendo e implementando estratégias em áreas naturais protegidas – unindo conservação, uso público e desenvolvimento econômico. Que outros exemplos como esse surjam e possam evoluir a nossa relação com unidades de conservação.

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