Juliana Barros

Gestora do Parque Nacional de Brasília (DF)

“Minha visão de futuro dos parques é que eles sejam utilizados e reconhecidos pela população”

Com uma vasta experiência em diferentes unidades de conservação, Juliana acredita que as concessões podem ser uma alternativa para ajudar a ampliar o uso público dessas áreas. Confira a entrevista!

18/11/2021

Atuar à frente de um dos dez parques nacionais mais visitados do país – o Parque Nacional de Brasília – é um desafio e tanto. Mas para a gestora Juliana Barros, essa missão tem um sentido todo especial, afinal de contas, desde criança o seu grande sonho era trabalhar junto à natureza, especialmente entre áreas protegidas brasileiras.

Essa vocação também tem inspiração no legado de seus pais, que sempre fizeram questão de estimular o contato e o cuidado com o meio ambiente. Ao falar sobre o assunto, Juliana não contém a emoção e nos fala, entre lágrimas de saudade e alegria, como essa conexão despertada na infância foi determinante para a sua jornada como pessoa e profissional engajada nesta causa.

“Meus pais viveram muito em contato com a natureza. Então eles trouxeram isso para mim, essa questão de observar os ciclos da natureza e isso me instigou bastante […]. Me lembro também que os meus momentos mais felizes eram quando eu estava na natureza. Então, isso está muito ligado à minha memória afetiva da infância”.

Formada em agronomia e servidora de carreira do ICMBio desde 2007, Juliana está na gestão do Parque Nacional de Brasília há dez anos. Antes disso, já passou pela liderança de Reserva Extrativista, Área de Proteção Ambiental (APA), Refúgio de Vida Silvestre e também de uma Floresta Nacional (Flona). Ao relembrar sua trajetória, Juliana faz questão de ressaltar a importância de líderes que a inspiraram ao longo do caminho e a ajudaram a construir a sua história.

“Em Porto Velho, eu tive a Carolina Fonseca. O Júlio Rosa também… eles foram muito receptivos! Era a primeira gestão integrada de unidades de conservação do ICMBio, então eles eram bastante inovadores, corajosos no que propunham, e eu tive uma felicidade de começar a minha carreira com eles […]. Ter esses mentores, esses chefes que te apoiam, tanto profissionalmente como pessoalmente, foi um divisor de águas muito grande”.

Em entrevista ao Conexão Semeia, Juliana nos conta um pouco mais sobre a carreira, os desafios e as lições aprendidas. Confira:

CONEXÃO SEMEIA – Juliana, sua trajetória é marcada por experiências em diversos tipos de unidades de conservação. Para você, quais são as principais diferenças em termos de gestão de cada uma delas? Os desafios são iguais ou bastante distintos? 

Juliana – São muitos e distintos desafios. Por exemplo, em minha passagem pela Amazônia, na Gestão Integrada Cuniã-Jacundá, que possui três categorias de unidades de conservação e uma floresta nacional, o desafio era a gente fazer a gestão de modo que os recursos fossem utilizados de forma direta, como manejo florestal sustentável ou concessão das florestas. Porque muitos de nós aprendemos a fazer gestão por meio da conservação propriamente dita e não do uso direto dos recursos […]. Já a estação ecológica, os usos eram restritos à pesquisa cientifica, então a gente tinha dificuldade em fazer a propaganda, fazer a sociedade se apropriar e conhecer a unidade de conservação […].

Já em Mambaí (GO), eu trabalhei com uma outra Reserva Extrativista criada principalmente para a utilização de uma planta para o mercado farmacêutico. Acontece que não era toda a população ali envolvida que fazia uso desses recursos, então a unidade de conservação acabou ficando um pouco ociosa. Até a forma como ela foi criada não foi feita de uma maneira direta e objetiva, de acordo com a sua vocação. Então os desafios de gestão eram esses: criar uma unidade de conservação de uso sustentável, mas que, por outro lado, não tinha esse uso tão objetivo e claro […].

Eu trabalhei também com uma Área de Proteção Ambiental (APA) que pegava três municípios, mais de 100 mil hectares. Meu desafio de gestão era a articulação. Porque eram diversos atores envolvidos, diversas prefeituras, diversos proprietários, diversas associações que estavam envolvidas ali. E saber o papel objetivo do gestor de unidade de conservação em uma APA é bastante complexo. A questão de você escolher o que priorizar, quais linhas de ações e de fomento que você quer ajudar a população a desenvolver, são coisas que se você não tiver um foco, um planejamento muito objetivo, você se perde, porque as demandas são urgentes e enormes e acabam sendo muito complexos os problemas.

Já o desafio de um parque nacional é um pouco ambíguo porque você tem a parte de conservação da biodiversidade, bastante intrínseca, e também tem o papel do uso público. Saber mediar isso requer muito bom senso, porque, de um lado, ela foi criada para as pessoas poderem utilizar, mesmo que de forma indireta, por outro lado, você tem que conservar, manter algumas áreas da unidade bastante restrita para reprodução da fauna e tudo mais. Saber manejar isso, levar as duas coisas ao mesmo tempo, é um pouco complexo até na gestão de pessoas.

CONEXÃO SEMEIA – Frente a toda essa experiência que você teve, o que você acha que é preciso para ser uma boa gestora de parque?

Juliana – Flexibilidade, curiosidade, criatividade, bom humor, amorosidade, honestidade, porque somos servidores públicos né?! E você sabe que conhecimento técnico é importante, mas nem tanto? Porque todos que estão aqui tem isso, eu acho que o que faz a diferença é mais saber lidar com as pessoas, fazer gestão de pessoas, articulação institucional.

CONEXÃO SEMEIA – Você já comentou algumas situações mais complexas que demandaram mobilizar grande parte dessas características que você citou. Mas se você fosse elencar a experiência mais desafiadora que você tevê na carreira de gestora, qual seria?

Juliana – Acredito que foi me estabelecer enquanto chefe de unidade de Brasília. Porque o parque está muito perto do poder, está na capital federal, que é muito visada e têm muitos interesses ligados. E existe um status de ser chefe do Parque Nacional de Brasília, né? É um cargo desafiador e as pessoas podem não ter ideia dos desafios que é. Então o mais difícil, para mim, foi me estabelecer enquanto chefe da unidade de Brasília e também conquistar o respeito de muitos dos meus colegas, integrar o time. Mas hoje a gente está num patamar de confiança, até porque o contexto está difícil para o servidor público, para quem trabalha com unidade de conservação, e a gente está unido e hoje eu percebo o respeito e o carinho que eles têm por mim.

A integração com a equipe foi um dos desafios enfrentados pela gestora, que valoriza a confiança e a união conquistada ao longo do seu tempo na gestão do PARNA de Brasília. Neste registro, ela se une ao time em uma ação de combate aos incêndios florestais que acometem a região nos períodos de seca. (Foto: Acervo Pessoal)
A integração com a equipe foi um dos desafios enfrentados pela gestora, que valoriza a confiança e a união conquistada ao longo do seu tempo na gestão do PARNA de Brasília. Neste registro, ela se une ao time em uma ação de combate aos incêndios florestais que acometem a região nos períodos de seca. (Foto: Acervo Pessoal)

CONEXÃO SEMEIA – Agora, olhando por outra perspectiva: qual foi o momento que mais marcou a sua trajetória como gestora de parque?

Juliana – Então, foram muitos, é difícil falar um só (risos). Mas tem um que ficou muito marcado para mim que foi a gente conseguir reduzir a velocidade de uma rodovia que estava ao redor do parque, porque morria muitos animais atropelados. Aqui eu sou chefe do PARNA Brasília e da Rebio de Contagem, e entre o Parque e a Rebio tem uma rodovia. Depois de muita discussão e diálogo com a comunidade, com o departamento de estradas e rodagens, nós conseguimos encher a rodovia de quebra-molas, colocar radar e diminuir a velocidade. Aí gente fez umas sinalizações também tipo “Aqui é o Parque Nacional de Brasília, é a água que você bebe”, ou seja, a gente fez um monte de sinalização. E paralelo a essa rodovia, no início do acervo do Parque, a gente fez uma trilha de 54 quilômetros, que dava para as pessoas verem o parque. Daí eu fui para campo e peguei essa rodovia, e na hora que eu entrei nessa rodovia, que eu vi e lembrei da trilha, do dia de inauguração dela, da sinalização foi, assim, muito gratificante. Porque aí eram os animais sendo salvos e o parque sendo reconhecido, cuidado.

Teve outro momento que me marcou, que foram as inaugurações de algumas trilhas, que foram dias bem felizes também, porque não parava de chegar ciclistas, e eu pensava: “Gente, a trilha nem é conhecida ainda e olha o tanto de gente que chegou!”. Nessa semana de inauguração veio muita gente, e eu também fiz muita propaganda sobre o parque porque as pessoas conheciam só as piscinas. Comecei a fazer propagando dos nossos bichos, da água que abastece a cidade e eu comecei a ver as pessoas entrando no Parque e falando do “Parque Nacional”, não só das piscinas.

CONEXÃO SEMEIA – E quando você fala dessa relação do parque com as pessoas, como vocês fazem para estimular esse uso público? Como você vê a relação do parque com a população hoje em dia?

Juliana – Então, os usuários do parque têm uma relação extremamente forte. O parque está na memória cultural e histórica da capital. Eu vejo que eles [a população] têm um carinho muito grande. O que a gente tem de desafio é poder conseguir abrir mais o parque. Por exemplo, o parque em 2006 foi ampliado, aumentou 12 mil hectares e agora tem 42 mil hectares. E lá onde foi ampliado tem inúmeras cachoeiras, são mais de 90. Agora o que a gente tem que fazer é o plano de manejo dessa área e poder abrir essas cachoeiras à população.

O que a gente vai fazer agora é a concessão dessa área mais antiga e depois que a gente conseguir fazer a concessão dessa área, que demanda muito, a gente vai começar a focar na abertura da área nova.

CONEXÃO SEMEIA – E qual é a sua percepção sobre a adoção de parcerias e concessões voltadas à gestão dos parques, Juliana?

Juliana – Eu vejo com muito bons olhos, acho muito importante. A gente tem que abrir portas para todos os parceiros possíveis que podem agregar. Não tem como a gente, que é gestor público, conseguir fazer todas as atividades em uma unidade de conservação. Por exemplo, aqui no parque eu tenho que ser especialista em lavar piscina e em atropelamento de fauna. É impossível a pessoa conseguir ter toda essa visão. Eu tenho que resolver problemas às vezes de algo que está entupido na piscina, isso é muito difícil! Então eu vejo as concessões com bons olhos e não interessa que seja um parceiro que é do entorno, que seja um grande empresário. Se vier para agregar, trazer emprego, desenvolvimento sustentável, para abrir o uso público para a população, que venha! Eu não tenho esse preconceito porque é um grande empresário ou alguma questão assim, dessa ordem. Eu acho que a gente tem que fazer acontecer, desde que respeite os limites da unidade de conservação, que tenha os cuidados, que trate bem os colaboradores que serão contratados. Eu acho que isso desafoga e abre outros caminhos para a gente fazer gestão.

Neste caso ela [a concessão] é muito bem-vinda para a gente poder possibilitar parte dessas 90 cachoeiras que tem uma beleza cênica maravilhosa. Para a gente ter tempo de falar para a população: “Olha, o parque é muito importante, grande parte do curso da água de Brasília, da capital federal, vem daqui de dentro”. A gente tem uma das áreas de melhor qualidade porque todas as nascentes e a barragem em si estão dentro de uma área protegida. Olha que serviço ambiental magnífico, maravilhoso, e que a gente não consegue falar e fazer essa propaganda.

E eu acho que esses parceiros vêm para agregar qualidade de serviço que é para a própria população, até para gerar economia. Por exemplo, hoje a gente tem seis contratos com empresas terceirizadas, e que o valor do ingresso também não é revertido em nenhum serviço para o parque. E a concessão, não, a gente pode reverter em benefícios para as unidades, prestação de serviços, até para apoiar ações de fiscalização, de educação ambiental, e hoje do jeito que é, não agrega. Além do mais, é preciso fazer a gestão de seis contratos de empresas diferentes. Isso é muito dificultoso.

Parque Nacional de Brasília / Foto: Mercado Viagens_CC BY 2.0

CONEXÃO SEMEIA – Quando você traz essa questão da concessão como facilitadora de serviços para a população, de ajudar a ampliar o acesso aos serviços ecossistêmicos provisionados por essas áreas, você toca num ponto bem importante, que é a função mesma dos parques. E a respeito disso, considerando o contexto atual de pandemia e tudo mais, que papel você acredita que os parques desempenham hoje no Brasil?

Juliana – Eu acredito em duas funções: a conservação da biodiversidade e, além disso, aquela que coloca a população em contato direto com a natureza. Acredito nessas duas funções, da recreação em meio a natureza, que daí vem o uso público e todas essas questões e a conservação em si. Na verdade, uma coisa está ligada na outra. Se a pessoa utiliza e está em contato com a natureza, ela vai respeitar mais, vai valorizar mais a natureza, e daí a proteção da biodiversidade ocorre de fato e naturalmente.  

CONEXÃO SEMEIA – E o que falta, então, para que essa função seja efetivamente cumprida na nossa sociedade?

Juliana – Abrir para o uso público. Um uso sustentável, com regulamento. Até porque não tem outro caminho. Também sou usuária e vejo que eu só aprendi a amar e a trabalhar por eu ser usuária, por eu ter essa memória afetiva. Eu não quero ter isso só para mim. Às vezes a gente acha assim: “é tão importante que eu quero por numa redoma, proteger tanto”, mas o que me levou a querer proteger tanto não foi porque eu tive contato? Então como é que eu vou querer que as outras pessoas cuidem, não tendo esse contato? O planeta é nosso, viemos da natureza e temos direito de estar entre a natureza.

CONEXÃO SEMEIA – E qual é a sua visão de futuro para os parques brasileiros?

Juliana – Minha visão de futuro dos parques é que eles sejam utilizados e reconhecidos pela população. Que cada um dos parques tenha um pedacinho onde as pessoas possam visitar, que as pessoas possam se sentir bem lá. E que a partir dessa experiência, as pessoas queiram proteger bastante a nossa biodiversidade.

O meu sonho para os parques é isso, de serem utilizados adequadamente e que as pessoas tenham vivências especiais no interior das unidades. Os parques possibilitam formas de transformar as pessoas para o bem, eu acho. Porque tudo tão belo, são experiências tão enriquecedoras. É uma relação de aconchego. É uma contribuição muito grande para um mundo melhor. Eu acho que excede a conservação da biodiversidade em si, é o bem-estar, a qualidade de vida. Espero que as pessoas possam cada vez mais se apropriar disso. E é tão fácil, é às vezes ir ali e dar uma passeada. Na semana passada fui em um outro parque aqui da cidade, a coisa mais linda! Me senti tão bem indo lá. Foi tão especial. Tem tanta gente com depressão, estressada, e tem a natureza aí para a pessoa usufruir. E se ela usufruir, ela vai aprender a proteger, a guardar no coração, a lutar por aquilo.

CONEXÃO SEMEIA – Para finalizar a nossa conversa, Juliana, que mensagem você gostaria de deixar para os colegas e as colegas de profissão, que também compartilham dessa visão, mas que agora encontram-se com alguma dificuldade de gestão?

Juliana – Aos meus pares, a gente tem que acreditar que tudo tem solução. Talvez não tenha muitas possibilidades neste momento. Mas vai chegar a hora que a solução é cabível. Então, a mensagem é para não se desesperar, não se desmotivar. Se não deu certo algum projeto, vai por um caminho alternativo para atingir o mesmo fim. Sempre utilizar a criatividade para atingir as soluções. Sempre pensar que o embate às vezes é necessário, mas é exceção. Sempre optar pela mediação, que é o caminho mais agradável e o que a gente consegue chegar à solução. A gente é importante, mas a gente tem que saber das nossas limitações.

Parque Nacional de Brasília / Foto: Mercado Viagens_CC BY 2.0

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