Priscila Saviolo Moreira

Gestora do Parque Estadual Ilha Anchieta (SP)

“Acredito na importância de proteger nossa sociobiodiversidade, e também na conexão com a sociedade, de trabalhar junto”

Priscila compartilha os desafios e as conquistas da sua trajetória à frente de uma UC marinha. Confira!

28/10/2021

Ao norte do litoral de São Paulo, encontra-se o Parque Estadual Ilha Anchieta, responsável por proteger a segunda maior ilha da região, com mais de 828 hectares que abarcam praias e paisagens exuberantes da Mata Atlântica. Há quase 10 anos, a Fundação Florestal de São Paulo conta com a dedicação de Priscila Saviolo Moreira, oceanógrafa que desde a graduação tem sua história interligada com o parque, começando como voluntária em 2010 e, há sete anos, como gestora do Parque Estadual Ilha Anchieta.

“Eu sou super apaixonada pela natureza.  Fiz oceanografia então tenho também essa conexão com o mar. Acredito muito na importância de proteger nossa sociobiodiversidade, e também na conexão com a sociedade, de trabalhar junto, de ensinar, de sensibilizar, de poder contribuir com algo que de certa forma se conecta com questões globais”, enfatiza Priscila.

Para a gestora, as habilidades de escuta ativa e mediação devem estar no DNA de toda pessoa que assume a missão especial de gerir um parque, pois, por essas vias, é possível fomentar consciência ambiental e engajar a sociedade em prol da conservação e valorização dessas áreas.

Confira o bate-papo especial que tivemos com a Priscila:

Um dos grandes orgulhos de Priscila é o programa de voluntariado do Parque Ilha Anchieta (SP). Foto: Rodrigo Apoena.

CONEXÃO SEMEIA – Priscila, você participou do SemeiaLive sobre voluntariado e trouxe muita da sua trajetória na gestão desse programa, além da própria experiência como voluntária na Ilha Anchieta. Afinal, como o voluntariado, que foi e é tão presente na sua história, influencia a sua atuação como gestora de parque?

Priscila – Eu suspeito que não se tivesse feito voluntariado, talvez estivesse trabalhando em coisas totalmente diferentes, mais conectado com o padrão da profissão que escolhi! Então, o voluntariado tem uma abertura para a gente, como pessoa e profissional, ter a clareza do que, de fato, queremos seguir. 

Isso porque quando você está voluntariando é claro que você tem o compromisso com a instituição que está ofertando essa oportunidade, mas é uma via de mão dupla, né? Então aprendemos e ganhamos muitas coisas como voluntários, essas oportunidades nos abrem percepções para a gente tomar decisões do nosso caminho profissional […].

Acho que um dos principais pontos [de influência] é sobre essa questão da relação com as pessoas mesmo, acho fundamental essa relação de ouvir, respeitar, de entender. Agora como chefe de parque, observo que é sempre uma construção de equipe, inclusive dos nossos voluntários. E tudo isso tem conexão com essa vivência inicial sendo voluntária.

CONEXÃO SEMEIA – E falando nesse perfil de uma gestora de parque, o que você acredita ser essencial para assumir essa missão, de gerir uma unidade de conservação?

Priscila – Tem que ter disponibilidade para trabalhar com tudo e com todos, não é possível tocar pautas apenas de seu interesse. Porque a gente tem diversos programas de gestão e eles precisam ser liderados e executados. O bom gestor não pode cair nesse vício, ele tem que ter a habilidade de gerenciar diversos assuntos, desde a parte mais administrativa – que envolve a papelada (agora é tudo virtual, né? Risos), assinar, e fazer o recurso chegar – mas também atuar  na pesquisa, no manejo das espécies exóticas, na recuperação dos ecossistemas, na fiscalização, na educação ambiental, na interação socioambiental, no atendimento ao público, ou seja, do escritório ao campo. 

Ou seja, tem que ser uma pessoa bem versátil, que tenha essa disponibilidade, e tem que saber ouvir, né? Porque estamos na gestão para conciliar diversos interesses e garantir que, de certa forma, eles sejam atendidos. Contudo, sempre respeitando a nossa missão, no caso dos parques, que é a proteção integral da sociobiodiversidade.

CONEXÃO SEMEIA – Esse ponto da escuta ativa é bem interessante e importante, Priscila. E toca num aspecto que sempre ouvimos falar das equipes gestoras de parque, que é o desafio de engajar a sociedade, as comunidades do entorno com essas áreas. E como é que você vê o papel de gestão nessa mediação de interesses e de despertar pertencimento das pessoas pelo parque? 

Priscila – É um desafio, não é fácil. Mas devemos sempre investir tempo para desenvolver a escuta ativa e criar os espaços de diálogos com todos os interessados. 

Temos que conversar com todo mundo, as comunidades, os empresários, os ambientalistas, os funcionários, os visitantes, os munícipes e quem mais quiser. No caso da nossa vivência aqui no parque, uma das nossas conquistas é de fato ter um conselho ativo e engajado, além dos setores organizados. 

Quando assumi a gestão do parque, final de 2014, a gente tinha alguns setores que ou não frequentavam as reuniões do conselho, ou frequentavam sem representação, pois não estavam organizados. Então você tinha vários operadores, guias, só que não representavam associações. E hoje estão associados e possuem cadeira aqui no conselho.

Encaro isso como uma conquista, mas mesmo assim é um desafio fazer com que essas pessoas estejam lá, e não estejam falando sobre o que elas querem para si mesmas, mas sim para o todo que representam. O desafio é garantir, de fato, que aquelas pessoas que estão ali como conselheiras, ou que estão nos procurando para dialogar, estejam de fato como representantes, que sejam falas representativas do setor e não individualizadas.

CONEXÃO SEMEIA – Além da organização dos setores, que outras estratégias você mobilizou para esse desafio, Priscila?

Priscila – Perante isso, acho que uma das formas que a gente tenta fazer, mas é uma coisa que a gente trabalha em equipe, até institucionalmente, é sempre tentar relembrar a todos a missão do parque, da Fundação. Então, sim, nós vamos fazer as discussões. Sim, nós vamos tentar conciliar ao máximo os interesses, mas o nosso norte é sempre atender os objetivos do parque, respeitando o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, o plano de manejo e todas as normativas que regem sobre o território da unidade […].

Confesso que é um desafio que constantemente precisa ser trabalhado, tem que ser um dos pilares de atuação da gestão. É preciso onde o parque está inserido, neste caso, no município de Ubatuba, que os munícipes de fato conheçam o parque e se sintam pertencentes a ele. Com isso, compreenderem a importância de conservação do parque, que sejam aliados da conservação. 

Em Ubatuba, a cidade é litorânea e turística. Acho que se a gente conseguisse ter esse approach, sabe, dos munícipes, da sociedade, de todo mundo envolvido, acho que teríamos aliados que levantariam mais a bandeira da conservação, do ordenamento do turismo, de uma série de coisas. 

E isso é difícil de fazer, seja pelo o que cada pessoa acredita, pelos recursos necessários, o interesse de cada um, mas é fundamental a promoção da apropriação do território, a democratização de uso desse território, primeiramente com quem mora nas proximidades. 

Para mim, esse é um dos grandes desafios, porque se relaciona com algo que é bem jargão, mas é real: “conhecer para conservar”. Considerando a nossa situação mundial em relação as mudanças climáticas, perda de habitats e de biodiversidade, entre outros exemplos, temos a missão de promover a conservação, mas também precisamos continuar promovendo esse conhecimento, essa sensibilização, para conservarmos de uma forma mais tranquila, harmônica, com menos crítica e com mais pessoas de mãos dadas para essa missão, afinal todos nós precisamos de um meio ambiente saudável.

Engajar a sociedade na conservação do parque é um dos grandes desafios de gestão, conta Priscila. Foto: Acervo do Parque.

CONEXÃO SEMEIA – Agora, você tem em mãos outros desafios gigantes, que é atuar em uma unidade de conservação marinha, não é?

Priscila – Você depende muito de estrutura, de infra, de recursos humanos, de tecnologia. Você está de um lado tentando pegar alguém ali que está praticando uma pesca que não deveria, mas do outro lado tem uma outra pessoa entrando na ilha para caçar, por exemplo. A gente está falando de uma ilha que tem um território bem definido, mas banhada pelo mar que tem uma grande amplitude, o que permite acessar a ilha em diversos pontos,  é um grande desafio monitorar toda a costeira do parque.

CONEXÃO SEMEIA – Na sua visão, o que falta para as pessoas de fato serem aliadas da conservação, para que esse tipo de situação seja extinta, ou pelo menos, seja exceção?

Priscila – Melhorar a nossa comunicação, ela precisa ser simples e cutucar as pessoas de forma que eles entendam o quanto a nossa vida depende de um meio ambiente equilibrado e saudável. Acredito que a comunicação pode contribuir para mudar esse cenário.

A sociedade precisa saber como ela é beneficiadas com a natureza protegida, temos benefícios econômicos, do ponto de vista da saúde mental, do fornecimento de matéria prima e alimentos, entre muitos outros, como a regulação do nosso clima, do fornecimento de oxigênio, da captação de CO2. 

A pandemia trouxe algo tão óbvio, o quão é importante a proteção, o cuidado com a natureza, essa questão da inibição das ações que não deveriam acontecer, como a caça, o tráfico de animais silvestre. Então acho que seria interessante, de certa forma, se aproveitar do momento para trazer mais clareza para a sociedade dos serviços ecossistêmicos.

CONEXÃO SEMEIA – Você traz bastante a missão da conservação. E como você vê essa conjugação entre conservação e uso público, sobretudo no contexto em que você atua? É possível conciliar efetivamente esses dois pontos?

Priscila – Eu vou responder bastante pela nossa experiência. O parque foi criado em 1977 e, num primeiro momento, quando o uso público começou, o parque recebia por volta de seis mil visitantes por dia na alta temporada. Nesse momento foi observado a importância de redução pensando em minimizar alguns impactos. Não tinha saneamento adequado, eram muitas embarcações, muitas pessoas. 

Aí passou para uma capacidade de carga de 1.020 por dia. Então, o PEIA já conta com um cenário mais reduzido dessa visitação.  Além disso, desde 2018, estamos trazendo uma série de adequações ao parque que contribui significativamente para reduzir os impactos, como o sistema de saneamento e uma trilha em deck na restinga . 

A gente já fez algumas ações de ordenamento e é possível conciliar sim uso público e conservação. É claro que, para isso, você precisa de equipe, estrutura, ter mais do que o mínimo, sabe? […] No caso da Ilha, a gente faz um monitoramento da visitação. Temos uma média de quantos visitantes a gente recebe em cada atrativo na alta temporada. Tentamos fazer uma avaliação se está tendo algum impacto significativo ou não. Estamos tentando implantar um monitoramento da nossa biodiversidade marinha para tentar entender se a quantidade de barco que tem ali está trazendo algum prejuízo significativo. Já fizemos avaliação em relação ao mergulho. 

Então eu acho que é possível, mas você tem que ter estrutura, recurso para que você possa fazer amplo ordenamento e monitoramento. Por exemplo, a gente tem um atrativo que é o aquário natural. As pessoas buscavam esse atrativo para conseguir, de forma mais simples, conhecer a vida marinha, mas muitas pessoas entravam ao mesmo tempo e de forma inadequada o que aumentava a quantidade de sedimentos em suspensão e inviabilizada a possibilidade de observar os animais e plantas aquáticas que ali vivem. 

Então, fizemos um ordenamento, considerando um estudo técnico que avaliou a capacidade de suporte de todos os atrativos da Ilha Anchieta e a gente discutiu no conselho do parque e fez uma portaria normativa da Fundação Florestal, regrando quantas pessoas por dia poderiam entrar no aquário natural, e que elas deveriam entrar sempre em grupos de, no máximo, oito pessoas e permanecer, no máximo, 15 minutos, e sem fazer uso de boias, de colchão inflável e nadadeiras. Então a gente mudou, da água para o vinho, esse tipo de visitação. E o pessoal curte demais porque não saem frustrados da visitação e além disso entendem a importância da conservação.

Para Priscila, é possível conciliar uso público e conservação das unidades de conservação. Foto: Acervo do parque.

CONEXÃO SEMEIA – Bom, até aqui você já trouxe muitos dos desafios e até algumas táticas que a sua gestão tem usado no Parque Ilha Anchieta. Agora, olhando o outro lado da moeda, para as conquistas e pontos positivos dessa trajetória, que projetos você sente orgulho de ter feito parte, que marcaram a sua história como gestora?

Priscila – O de maior escala de recurso mesmo foi um projeto aprovado na Câmara de Compensação Ambiental em junho de 2018 que, em termos de valores, foi um projeto de 14 milhões. Então, para mim, profissionalmente, foi uma conquista bem significativa. 

Não existia essa história dentro da Câmara de Compensação Estadual uma única unidade de conservação aprovar um projeto nesse valor. E, falando do projeto e saindo da questão de valores, ele traz um ganho para a UC fora de sério! Desde resolução de passivos ambientais que nós tínhamos em relação a saneamento, abastecimento de água e até mesmo a forma de uso de energia, quanto de revitalização de todas as estruturas, inclusive muitas delas que estavam fechadas porque não tinham mais condições de uso, quanto também de equipamento de informática, de mergulho, materiais de sinalização, comunicação, educação ambiental, reestruturação de trilha. 

Inclusive, criamos uma trilha acessível no parque, e isso foi fantástico! Deu 700 metros de trilha, um deck de madeira na restinga, com cadeira para banho de mar. Uma atividade super inclusiva, porque vai poder passar pelas ruínas da Ilha Anchieta, sem contar as questões ambientais de vegetação que podem ser abordadas nesse atrativo, terminando com o banho de mar. Então esse projeto, para mim, é um grande marco profissional no PEA […].

E, lógico, o voluntariado sem dúvidas para mim é uma conquista muito legal. A gente fez a capacitação online, uma adaptação do nosso programa que não tínhamos feito até então e com a pandemia a gente resolveu fazer […].

E a equipe, não posso deixar de falar, a equipe é uma conquista super bacana, que conversa, um apoia o outro. Você ficar numa ilha e não dar a mão para o outro, é complicado! [risos] Todo mundo trabalha com amor, com vontade, muito respeito e transparência.

CONEXÃO SEMEIA – E para fechar o nosso diálogo, Priscila: frente a essa grande jornada que você tem vivenciado como gestora, que mensagem você deixaria para os seus pares que hoje enfrentam desafios semelhantes aos seus?

Priscila – Talvez de tentar sempre trabalhar de forma integrada, sabe? Integrada, considerando as diferentes UCs que estão próximas. Que a gente possa fazer trocas de experiências. Às vezes eu fico quebrando a cabeça com uma coisa e aí eu tenho um colega com um parque muito parecido com o PEIA e com ações que se encaixam perfeitamente. Então acho que isso também seria importante, essa questão de trabalhar de forma integrada muitas vezes facilita poupa nossos recursos. Quando a gente pensa juntos, a gente acaba sendo mais efetivo. Integração e conexão seriam as palavras finais para que a gente possa melhorar nosso trabalho.

Vista panorâmica do Parque Estadual Ilha Anchieta, em São Paulo. Foto: Rodrigo Apoena.

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