Fabrício da Cunha Pinheiro

Gestor da Reserva Biológica e da Estação Ecológica de Mogi Guaçu (SP)

“Quem é da área ambiental trabalha por amor”

Paulista fala sobre os desafios no apoio à gestão de uma UC e se emociona ao refletir sobre o seu projeto de vida. Confira a entrevista completa!

21/09/2022

Duas importantes unidades de conservação do estado de São Paulo contam hoje com a liderança comprometida do ecólogo Fabrício da Cunha Pinheiro. Atualmente, ele realiza a gestão da Reserva Biológica e da Estação Ecológica de Mogi Guaçu. Mas, até pouco tempo atrás, Fabrício atuou como gestor no Parque Estadual Itapetinga (SP), entre o início de 2020 até dezembro de 2021.

Em conversa com o Semeia, ele fala sobre como a sua vocação para atuar em áreas naturais protegidas esteve presente desde muito jovem, influenciando também a escolha da sua graduação. “Sempre fui muito ligado à natureza e esse contato com o meio rural foi me conduzindo na busca profissional”.

Antes de apoiar a gestão do parque, Fabrício atuou como diretor de Meio Ambiente na Prefeitura de Bragança Paulista, em diversos projetos de restauração florestal, por meio de consultorias e editais do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Além disso, lecionou em escolas públicas e privadas.

Quando ingressou na Fundação Florestal, em 2016, o ecólogo assumiu seu primeiro cargo de gestão, liderando o Parque Estadual Vassununga (SP). O encontro com essa unidade, que abriga uma das maiores e mais antigas árvores do Brasil, foi uma das experiências mais marcantes de sua vida, como ele mesmo nos conta.

Sempre me emociono ao contar a história de quando conheci o Patriarca (jequitibá-rosa considerado uma das árvores mais antigas do país). Lembro que achei muito impressionante! Depois disso, imprimi uma foto grande dele e coloquei em cima da minha cama. É interessante como o mundo vai dando sinais, te unindo a pessoas e lugares. E esse foi mais um exemplo disso”, comenta.

Esses e outros fatos que marcaram a trajetória de Fabrício foram os assuntos da nossa conversa com o gestor. Confira!

Fabrício e a equipe da Reserva Biológica de Mogi Guaçu (SP), durante um trabalho de campo. Foto: Acervo pessoal.
Fabrício e a equipe da Reserva Biológica de Mogi Guaçu (SP), durante um trabalho de campo. Foto: Acervo pessoal.

CONEXÃO SEMEIA – Fabrício, à luz da sua trajetória como gestor de unidades de conservação, como você enxerga a relação da sociedade com essas áreas?

Fabrício – É comum ver pessoas que desconhecem o que é uma unidade de conservação, não têm ideia da sua finalidade de proteção, nem dos seus potenciais de incentivar o maior contato com a natureza. Mas quando aumentamos essa cultura de visitação, a população passa a se sentir parte das unidades e as coisas vão acontecendo.

CONEXÃO SEMEIA – E dentro do contexto de desafios culturais, como você vê o papel do gestor na missão de garantir a conservação e também de trazer as pessoas para perto dessas áreas? 

Fabrício – O maior ganho do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) é justamente envolver a sociedade nessas áreas, já que é dever de todos também trabalhar pela conservação dos parques. Esse engajamento vem também pelos conselhos consultivos e gestores. E não tem outro meio, né? Não tem como você trabalhar como fazendeiro, apenas da porteira pra dentro. O gestor de parque precisa de aproximação e envolvimento com o entorno, seja para uso público ou qualquer outra demanda de uma UC, como licenciamento, pesquisa e fiscalização.

CONEXÃO SEMEIA – E para além desse ponto sobre estimular o engajamento das pessoas com as unidades de conservação, que é pauta comum a boa parte dos gestores, qual foi o outro desafio que marcou sua carreira à frente de uma UC?Fabrício – Um dos desafios mais recentes foi o plano piloto de controle de javaporcos no Parque Estadual Vassununga. Identificamos o problema de superpopulação destes animais na área em 2017 e logo tomamos frente no fechamento do uso público da unidade, coisa que nunca havia acontecido em 47 anos. Reunimos controladores, polícia, acadêmicos e discutindo o tema de forma ampla para definir a melhor forma agir, com base também nas recomendações técnicas do ICMBio.

Fabrício em atividade de campo no Parque Estadual Vassununga. Foto: Acervo pessoal.

CONEXÃO SEMEIA – Se, por um lado, a trajetória de gestor de UC é marcada por desafios, de outro, também temos as conquistas. Conte qual é a conquista que mais orgulha você nesses anos de carreira?

Fabrício – Às vezes você apagar um simples incêndio e ter sucesso já é mais marcante do que todas as outras [conquistas]. É bem isso [diz emocionado, com a voz embargada].  A gente tem o privilégio de trabalhar com uma coisa realmente única, as unidades de conservação. Porque a gente está no país de maior biodiversidade do planeta. É interior, mas é Mata Atlântica; é remanescente, mas era exponente exuberante, e ainda hoje é.

Há certas coisas que valem mais, mesmo! Às vezes você vivencia uma situação com visitantes, você colhe histórias tão bonitas e, como gestor, você tem essa oportunidade, desde o contato com o público, pesquisadores, resgate de fauna. Fazer um esforço tremendo para mover barreiras para, de maneira emergencial, salvar a vida de um cervo, cachorro-do-mato, e depois você conseguir ver o sucesso. São tantas coisas que a gente vivencia que você para, pensa e vê que é difícil elencar […].

CONEXÃO SEMEIA – É um trabalho de propósito, né?

Fabrício –Sem dúvida. É excepcional. Quem é da área ambiental como eu, que estou há 20 anos, trabalha por amor. Porque não tem hora, ainda mais em unidade de conservação com visitação. As demandas te puxam e te cobram, e você tem que estar ali, atuando, entendendo. É missão mesmo. Não é fácil, mas tem muito valor. É uma satisfação. Eu sou completamente grato e realizado com o que faço.

CONEXÃO SEMEIA – Se o presente está tão delicado para as unidades de conservação brasileiras, o que a gente pode esperar para o futuro dessas áreas? Qual é a sua visão de futuro para as UCs, Fabrício?

Fabrício – Espero que as unidades de conservação estejam melhores e mais conectadas aos seus ambientes, porque não adianta a unidade estar isolada na paisagem. Seu entorno precisa estar junto. Então, meu sonho de futuro é esse.

O processo de criação de UCs não pode parar, seja a categoria que for, acho que quanto mais, melhor. Que sejam mais estruturadas também, e tudo isso vem com esse pertencimento das pessoas. Não é uma coisa que vem de fora para dentro, é de dentro para fora. E passa pela conscientização, pela educação ambiental, algo em que eu acredito demais.

Conscientizar-se no consumo dos alimentos, nas escolhas individuais. E também pensar em nós como pertencentes ao meio animal, ao meio natural. Não somos uma espécie à parte do planeta, somos integrados a ele. E quando a gente observar isso, tiver isso interiorizado, tudo vai ser natural.

Você vai querer uma árvore na calçada, vai querer cidades mais verdes, vai querer trazer a natureza para próximo de si, escolher outros modelos de relações humanas. É uma ecologia transcendental mesmo. E aí, naturalmente, as unidades de conservação serão uma extensão do seu bairro. Isso é o que acredito da gente, como sociedade, para as nossas áreas naturais protegidas.

CONEXÃO SEMEIA – E para quem compartilha da mesma missão que você, Fabrício, que mensagem você deixaria para os gestores(as) de UC do Brasil?

Fabrício –Acredite que vale a pena! Vale a pena para você e para o planeta. É uma causa sobre a qual não precisa ter dúvidas. Você tem que acreditar, independentemente do que for. Acreditar no seu potencial, na sua convicção. Buscar princípios morais, cidadania, fazer escolhas certas. Eu penso muito nisso. Só quem impõe seus limites é você mesmo. É árduo, mas acho que é isso.

Foto: Monumento Natural Estadual da Pedra Grande (SP) / Acervo pessoal.
Foto: Monumento Natural Estadual da Pedra Grande (SP) / Acervo pessoal.

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