André Portugal Santana
Gestor do Parque Estadual Serra Verde e do Monumento Serra da Piedade (MG)
“Eu sou da linha de gestor de unidade que defende o uso público”
Para o gestor, pertencimento é fundamental para gerar proteção e consciência ambiental. Confira a entrevista completa!
07/06/2021
Ao norte de Belo Horizonte está localizado o Parque Estadual Serra Verde, o segundo maior parque da capital que resguarda remanescentes de área natural e mais de 20 nascentes em meio a malha urbana. Do outro lado da região metropolitana, a 50 km do centro de BH, encontra-se o Monumento Natural Estadual Serra da Piedade, grande atração turística e marco histórico, religioso e paisagístico do Estado de Minas Gerais.
Além das belezas naturais, esses dois patrimônios ambientais têm em comum a gestão engajada de André Portugal Santana, biólogo de formação que tem se dedicado a administração do parque desde 2007, e do monumento a partir de 2018. A motivação pela carreira de gestor de parque nasceu do interesse genuíno pela área ambiental e, principalmente, pela afinidade com o tema das unidades de conservação, nas quais acredita ser importantes vetores para a proteção da biodiversidade brasileira e para o desenvolvimento social, econômico e turístico do país.
“Sou fascinado pela área. É o que eu mais gosto de fazer. Me sinto muito realizado com o que eu faço”, diz André, que é servidor público do Instituto Estadual de Florestas desde 2006. À frente das duas áreas protegidas de grande relevância para o estado mineiro, André tem o desafio de engajar cada vez mais a população local nesses espaços, especialmente no Parque Estadual da Serra Verde, ainda pouco explorado por moradores da própria região.
Para o gestor, trabalhar o pertencimento é condição fundamental para fomentar a conscientização ambiental: “Se não gera pertencimento, não gera proteção”.
Confira o bate-papo que tivemos com André sobre esse e outros assuntos:
CONEXÃO SEMEIA – Hoje em dia, como você vê a relação do parque com os moradores do entorno? E quais são as suas estratégias para atrair as pessoas para visitarem esse espaço?
André – É um grande desafio! É engraçado ver que, normalmente, o parque atrai um público mais distante do que o público que estaria mais próximo dele. As pessoas às vezes saem daqui para visitar outro parque, mas não para visitar o parque que está do lado de lá da rua (risos). Então isso é um grande desafio para as áreas protegidas urbanas. O que a gente tenta fazer aqui é sempre inovar com atividades ou projetos que atendam a demanda da população do entorno.
Então, por exemplo, Serra Verde é uma região muito populosa e que não tem muita área de lazer, tem pouca praça, e sempre eram pedidas áreas para esse tipo de atividade de fim de semana, com família ou mesmo com animais domésticos. Daí a gente começou a pegar essa questão do lazer […]. Então a gente começou a desenvolver trilhas abertas à comunidade para tentar atraí-los.
Mas é sempre um grande desafio. Se você dá uma volta no bairro ainda tem moradores que falam que não sabiam que ali era um parque. É um pouco demorado [construir] esse pertencimento dos moradores, de entender que o parque é deles, que o parque faz parte do bairro e que eles têm que ajudar a cuidar e também a usar.
Eu sou da linha de gestor de unidade que defende o uso público. Então a gente tem que estimular isso cada vez mais. Uma coisa que ajudou muito, mas que não necessariamente atraiu o público estritamente local, são as redes sociais e os meios de comunicação virtual. A gente atinge um público muito grande […]. Então a gente tenta trabalhar muito essas coisas das redes e do mundo virtual para ajudar na divulgação das unidades.
CONEXÃO SEMEIA – E agora, durante a pandemia, vocês têm encontrado meios de fomentar esse contato, ainda que seja à distância, com os parques?
André – A gente está tentando fazer sim. Temos postagens constantes dos nossos monitores que trabalham com as escolas e com o público diretamente. E como os visitantes estão em isolamento ainda e os funcionários em teletrabalho, a gente ganhou um tempo em casa para pensar nessas ferramentas. Mas, nesse período, com certeza, as nossas páginas têm sido bem mais movimentadas pela equipe do parque para segurar o público, falar coisas importantes e conquistar novos públicos.
Então, além da frequência de postagem que aumentou, eu vejo outros colegas fazendo várias técnicas, como sequência de postagens temáticas que façam as pessoas voltar na página para ver o que vão postar sobre o tema.
CONEXÃO SEMEIA – Você já trouxe aqui alguns pontos interessantes do dia a dia do gestor de parque urbano. Nesses mais de dez anos à frente do Parque Estadual da Serra Verde, qual foi o maior desafio que você enfrentou, além desse ponto do engajamento?
André – Com essa pergunta me vieram três coisas na cabeça! A primeira coisa que me vem sempre à mente é essa questão da não implementação do parque 100% devido à questão judicial de compras das terras [1]. Isso engessa um pouco as nossas ações e a gente fica preso no tanto que a gente quer sonhar e fazer para a unidade crescer.
Então essa questão judicial de não comprar as propriedades é um grande impasse que, de certa forma, atrapalha muito os planejamentos, mas aí um bom gestor tem que ter boa criatividade e outras cartas na manga para driblar isso e fazer o parque acontecer. Porque, senão, usar isso como justificativa e não fazer nenhuma atividade é fácil, né? A gente tem sempre que trabalhar com boa vontade, com criatividade e com uma equipe boa para as coisas acontecerem.
O outro grande desafio que me veio a mente são os períodos de secas e estiagens que ocasionam os incêndios. A gente tem grandes incêndios lá no parque e quase 100% causado pelo homem, de forma proposital. É muito triste saber que as pessoas têm esse tipo de atitude, por diversas razões, e não tem noção das consequências que isso causa, do trabalho e do gasto que isso tem. Isso é um grande desafio para o gestor de unidade e para mim isso sempre foi um desafio toda vez que chega essa época do ano.
Um terceiro grande desafio que eu vejo é conquistar a sociedade, mostrar que “estamos aqui, somos um parque e venham nos conhecer”. O “conquistar” é sempre trabalhoso, você tem que cativar, atrair, inovar, tem que fazer um carinho e também é bom você ter um retorno para saber se está no caminho certo.
É sempre um grande desafio esse “flerte” com a comunidade, porque senão complica, fica assim como um intruso no bairro, um desconhecido e se não gera pertencimento, não gera proteção. […] A gente sempre sabe que vai ter uma parcela da sociedade que pode causar transtorno, mas se a outra grande parte não defender e não se sentir lesada quando o parque é afetado, a gente não consegue proteger com o poder público sozinho. Tem que ter a ajuda de todos.
CONEXÃO SEMEIA – E olhando por outra perspectiva, André, para além dos desafios, ao longo desses anos como gestor de parque, qual foi o momento mais marcante da sua carreira? Aquele projeto que deu muito orgulho de ter feito?
André – Olha, o que me orgulha muito é o tanto que a gente consegue fazer com tão pouco com a equipe que eu tenho. Faço questão de ser gestor coruja que fala que a equipe é boa mesmo, de que a gente está aqui para aparecer e ser visto. É um orgulho que eu tenho de que, eu consigo, com a minha gestão, envolver a todos da equipe. Então eu acho isso bem bacana!
Inclusive, a gente recebeu em 2012 um prêmio de gestão por educação ambiental lá no parque e é mérito muito da equipe. Mas o pessoal sempre fala: “é seu também como gestor”. Que seja né! Mas, assim, o legal é que todo mundo está ali, dando o sangue! E daí a consequência disso são os projetos dando certo.
A gente tem um projeto de educação ambiental com escolas municipais que todo ano a gente faz, dá certo e é bem reconhecido. Mesmo com a pandemia, fico orgulhoso com as últimas notícias do parque porque agora a gente tem uma frequência de pessoas interessadas em conhecer o parque para ciclismo e também para caminhada. Agora temos uma rede de voluntários que estão indo ao parque para limpar as trilhas e para implementar trilhas para que eles futuramente utilizem.
Daí você vê que deu certo esse envolvimento, que eles já não ficam tão passivamente. Eles foram lá e botaram a mão na massa e estão indo com todos os cuidados de distanciamento social e, quando vejo, já tem trecho limpo por uma equipe de caminhantes que foram lá e limparam. Isso é bem legal! Ultimamente, isso tem me orgulhado muito!
CONEXÃO SEMEIA – Você falou do potencial mobilizador da liderança, que gera engajamento da equipe, atrai novos usuários para o parque. E você também trouxe algumas características que o gestor tem que ter para fazer as coisas acontecerem. Na sua opinião, o que é preciso, então, para ser um bom gestor de parque?
André – Sem dúvidas a primeira é gostar do que faz (risos). Porque é um trabalho que muita gente acha que é simples, tranquilo e fácil. É aquela famosa postagem de “como as pessoas me veem” e “como é de verdade”! Então muita gente vê o gestor de uma forma, mas para ser um bom gestor é preciso gostar mesmo de trabalhar com gestão de UCs, gostar dessa questão desafiadora que é defender o meio ambiente.
E ajuda muito uma boa formação, porque isso dá uma segurança, uma base importante para a tomada de decisão. E tem outras características boas que eu vejo em um verdadeiro gestor, que são: ser flexível, versátil, criativo, gostar de trabalhar com múltiplas coisas, porque por mais que possa existir uma rotina elas não são fixas e elas são diversas, misturadas com procedimentos e que cada dia você precisa tirar um ali da caixinha para utilizar (risos).
Então você trabalha com uso público, fiscalização, monitoramento, pesquisa científica, atendimento ao público, gestão ambiental, recuperação de área, parte de infraestrutura, administrativa. É muita coisa para um cargo! E muitas das vezes a realidade é que a equipe é pequena, então você tem que fazer muita coisa. E você tem que dar conta e saber fazer de tudo, com muita humildade.
Porque o gestor que “chegar chegando” com uma postura de “sou o chefe” não consegue ir muito longe porque não vai ter condições de trabalho. Ter esse bom relacionamento é uma outra característica importante, saber se relacionar com todas as instâncias: desde os políticos e seus diretores até a comunidade mais simples que mora ao seu lado.
CONEXÃO SEMEIA – É uma missão desafiadora mesmo, que demanda uma resiliência em contextos de atuação muito diversos. E a gente vê que os gestores têm um comprometimento muito grande com o parque…
André – É, exatamente! E outra característica que o gestor tem que ter é, justamente, não ter hora. É como se fosse um médico de plantão e naquele momento em que você é chamado você acaba atendendo, porque você sabe que, de fato, é importante. Então é muito de coração, mesmo.
CONEXÃO SEMEIA – E ainda partindo dessa sua vivência de gestor, na sua opinião, qual deveria ser a função dos parques brasileiros?
André – Deveria ser colocar o Brasil numa posição única na questão ambiental, turística e, porque não dizer, até econômica. Mesmo trabalhando no Monumento, vejo que essas áreas, e mais facilmente os parques, têm um potencial gigantesco, que a gente vê até em outros países, mas que ainda o brasileiro não descobriu isso 100%.
Eu acho que tem melhorado muito, vejo um avanço, mas acho que a grande missão vai além da questão de proteger o meio ambiente e a diversidade brasileira. Esses são pontos muito importantes e isso já está inserido em grande parte da população – que o Brasil é um país com uma importância ambiental muito grande.
Mas ver isso e entender que isso é por causa dessa estratégia de conservação, que são as áreas protegidas, e que elas vão além da proteção, como para o viés econômico, turístico, social, de fomentar outras fontes de renda e valorização dos locais, seria o máximo!
Essa é a missão, mostrar o grande potencial que o Brasil tem!
[1] A questão fundiária é abordada na página 52 e 97 do Plano de Manejo do Parque. De acordo com o documento, a prefeitura de BH é detentora de áreas (glebas S3) do Parque e existe a intenção de realizar o repasse para o Estado. O plano de manejo ainda assinala que outras áreas do parque (glebas S4) são particulares e estão sob demanda judicial.